segunda-feira, 30 de julho de 2018

Dicotomia Facto/valor?

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No programa de Filosofia de 10º ano surge a dado momento a tarefa de distinguir juízo de facto de juízo de valor. Todos nós somos tentados por um certo institucionalismo e apresentamos a temática numa espécie de dicotomia acrítica quando é um assunto de especial sensibilidade filosófica e que merece uma maior problematização do que aquela que habitualmente é apresentada.

Creio que um ensaio de Hilary Putnam mostra as inconsequências da forma dicotómica, tentando provar que os enunciados factuais e as práticas de investigação que lhes fornecem sustentabilidade pressupõem valores (Hilary Putnam, Razão, Verdade e História, Publicações D. Quixote, 1ª edição 1992, p.168).

Concomitante ao conceito de facto está a noção de verdade que possui tudo menos uma resolução simples (https://antoniodanielfpc.blogspot.com/search/label/Verdade). A tónica de Putnam está no facto intuitivo de aceitarmos sem que haja reservas sempre que alguém nos diz «queres saber a verdade?». O problema está nos «padrões de racionalidade» que a pessoa possui. Por isso, quando afirmamos que o único objectivo da ciência é obter a verdade pretendemos acrescentar que «a verdade não é o fundo da questão: a própria verdade obtém a sua vida dos nossos critérios de aceitabilidade racional, e estes são aquilo que devemos olhar se quisermos descobrir os valores que estão realmente implícitos na ciência.» Sem esta conceção de racionalidade – que nos fornece «os padrões que nos dizem quando devemos e quando não devemos aceitar enunciados» (p.177) - não é possível afirmarmos que algo é um facto. Que noções estão presentes nesta racionalidade? Coerência, simplicidade, adequação e clareza parecem ser padrões, isto é, uma soma de valores e estes valores estão condicionados historicamente como estão os valores de beleza ou de bondade.. Valores sem factos são etéreos, factos sem valores são vazios.

É comum examinarmos os factos com uma correspondência entre o que é dito e a realidade, entre o conceito e aquilo que ele nos diz. A simples perceção também nos remete para a existência de valores. Como Putnam (p.178) afirma, percecionar um quarto sem enquadramento cultural e, portanto, conceptual, torna o conhecimento factual impossível de ser reconhecido, levando a pressupor que o realismo ingénuo é manifestamente insuficiente. A negação da dicotomia entre facto e valor ainda é mais evidente quando pretendemos descrever uma pessoa. Aplicar o conceito indelicado ou delicado pode funcionar de forma simultânea como censurar, enaltecer alguém ou mesmo descrever. Ao afirmarmos que alguém é indelicado não podemos estar também a descrevê-lo?

Tal é evidente na hipótese apresentada por Putman dos superbenthamianos. A descrição normalmente associada ao facto está enclausurada num sistema de valores. Imaginando que os  superbenthamianos desenvolveram mecanismos de avaliação ética a partir do pressuposto de que, por exemplo, a mentira é legítima se maximizarmos o nível geral do prazer. Será fácil constatar que «ao fim de algum tempo o uso da descrição “honesto” entre os superbenthamianos seria extremamente diferente do uso desse mesmo termo descritivo entre nós» (p. 181), tendo como consequência também a diferença de vocabulário para descrever situações interpessoais. Linguagens diferentes, mundos diferentes: não levará muito tempo em que o mundo em que os superbenthamianos vivem será radicalmente diferente ao nosso mundo.

Tanto nos «factos» como nos «valores», há uma adequação àquilo que é habitual. A visão mostra-nos factos pelo «facto» de se inscrever num certo comprimento de onda onde é possível vislumbrarmos. Fora desse contexto, a visão é considerada defeituosa. Assim, tal como a visão nos dá o mundo habitual, também a ideia de justiça nos dá o que é justo «para nós». Putman quer, assim, mostrar que a natureza dos enunciados físicos é do mesmo pendor  de outros enunciados, como os enunciados éticos. E, tal como não caímos no relativismo dos enunciados da física, também não devemos relativizar ou subjectivizar os valores. Os teoremas da física ou da matemática, sem deixarem de ser «para nós», não deixam de ser objectivos, apesar de não ter respostas determinadas. Também no que respeita aos valores, não existem respostas determinadas, porém é possível rejeitar a ideia de que qualquer ideal humano é tão bom como qualquer outro. Para Putman, a base da descrença na objetividade ética reside no receio do Estado se apoderar da moralidade, impondo um autoritarismo moral e político ou uma religião de Estado. 


quinta-feira, 19 de julho de 2018

David Hume. Questões.


1.       Distinga Relação de Ideias e Matérias de Facto.

David Hume afirmou existirem dois tipos de conhecimento. O primeiro, as Relações de Ideias, corresponde ao conhecimento a priori, é resultado de intuições e deduções e rege-se pelo princípio da não contradição. Por exemplo, o triângulo tem três lados. é uma proposição analítica, porque o predicado já está contido necessariamente no sujeito. É, por isso, uma verdade necessária. Pelo contrário, o conhecimento do tipo Matérias de Facto é um conhecimento a posteriori, derivado da experiência e resulta de processos indutivos. É contingente e corresponde a proposições sintéticas, como por exemplo os homens são inteligentes O sujeito homem não possui de modo necessário o predicado Inteligente.

2.       Caracterize a relação causal de acordo com Hume.

Para Hume, a causalidade consiste num processo de conhecer que transcende as experiências do passado e do presente. Quer isto dizer que a causalidade fundamenta-se a partir de um processo que se resume ao hábito, à contiguidade espácio-temporal e à sucessão de eventos. Apesar de ser através da experiência que adquiro a noção de relação entre fenómenos, essa relação não está necessariamente presente. Simplesmente adquiro essa noção pelo facto do mesmo fenómeno se repetir. Assim, há certas características que acompanham um fenómeno tipo A®B. Entre eles existe uma certa conjunção de acontecimentos. A antecede B e A apresenta-se sempre em conjunção com B. Do mesmo modo, eles estão próximos no espaço e no tempo e também existe uma precedência cronológica habitual. Todos estes factores são os motivos pelos quais efetuamos relações de causa e efeito. Só que esta relação não é necessária, é contigente e baseia-se numa crença na repetição dos fenómenos.

3.       Defina o problema da indução segundo Hume.

Do que ficou dito, a causalidade está na origem da indução, embora não a justifique. A indução consiste numa inferência que decorre da observação e das respectivas generalizações e previsões. Apesar da base da indução ser a causalidade, esta baseia-se numa mera repetição de eventos o que não significa que tal relação seja necessária e, por isso, é difícil de prever que tal ocorra no futuro. Esse é problema da indução. O simples facto de acontecer no passado não significa que os mesmos fenómenos ocorram no futuro. Simplesmente existe uma crença. A conclusão de um argumento indutivo pode sempre ser falsa mesmo que a experiência que acumulámos sobre um determinado assunto aponte em sentido contrário

4.       Explique por que razão segundo Hume a relação causal não pode justificar a indução.

Porque a relação causal que estabeleço entre dois fenómenos decorre de uma mera regularidade. A generalização efectuada pela indução não é de todo sustentada a priori, nem é necessária, decorre de uma mera crença na regularidade dos fenómenos. No passado constatámos padrões e acreditámos que eles continuariam a produzir-se no futuro e que isso sempre aconteceu. Porém, como asseverou Hume do facto de no passado o futuro se ter revelado semelhante ao passado não se pode inferir que, no futuro, o futuro seja como o passado ou, dito de outro modo, a nossa experiência apenas pode justificar as nossas crenças acerca do futuro se tivermos uma justificação independente (dela) para acreditar que o futuro será como o passado; mas, claro, isso é o que precisamente não temos.
Por outras palavras, o único modo por meio do qual se pode fazer apelo à experiência para verificar se P®Q é o de observar se no passado se observou sempre que P®Q. Portanto, para mostrar que P®Q é verdadeira seria necessário mostrar que não haveria casos em que P®~Q e de termos esgotado todas as inferências do tipo P®Q. Logo, P®Q não podem resumir-se àqueles que foram objecto das nossas observações passadas e presentes. Se P®Q ocorre num certo universo não posso inferir daí que ocorra em qualquer universo.

5.       Explique a que tipo de cepticismo conduz a crítica de Hume da indução.

Perante a dificuldade da indução parece haver uma só saída: o ceticismo. Efetivamente, o problema da indução veio mostrar-nos que não é possível conhecer a realidade, pois não devemos confundir a realidade com a perceção que possuímos dessa realidade. Na base do conhecimento está tão só uma crença na uniformidade da natureza. Para Hume é bom que assim seja caso contrário ficaríamos numa posição de imobilismo. Portanto, o ceticismo de Hume não é radical, antes pode ser qualificado de mitigado ou moderado.

domingo, 24 de junho de 2018

A Imaginação em Kant


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A filosofia de Kant divide-se em três grandes temáticas: a Crítica da Razão Pura, a Crítica da Faculdade de Julgar e a Crítica da Razão Prática. É na primeira que a Imaginação está presente.
A Crítica da Razão Pura apresenta as razões que presidem ao conhecimento científico. Diz Kant na Estética Transcendental que não há conhecimentos sem intuições. Mas a intuição não pode ocorrer sem a presença do objecto. Significa isto que no acto de conhecer, o ser humano tem de ser necessariamente afectado pelo objecto. A essa capacidade de receber impressões dos objectos, Kant atribui o nome de Sensibilidade. Esta capacidade é receptiva e possui as designadas intuições puras, formas a priori que permitem organizar as impressões sensíveis transformando-as em sensações ou intuições sensíveis. Portanto, a experiência, o contacto com a realidade fornece-nos a matéria do conhecimento, as intuições puras sugerem a forma do conhecimento. Que intuições puras são essas? Kant designa-as de Espaço e Tempo. Estas formas puras da Sensibilidade mostram, na opinião de Kant, que devemos encarar o conhecimento como uma adaptação do objecto ao sujeito (Kant designa esta perspectiva como revolução copernicana). Por outras palavras, os nossos sentidos externos, pelos quais recebemos impressões dos objectos que estão fora de nós, conjugando-se com os sentidos internos, são representados no espaço e enquadradas pelo tempo, condições formais do conhecimento
Caso ficássemos por aqui, o nosso conhecimento seria limitado, até poderíamos considerar não haver conhecimento. Para Kant, o objecto do conhecimento será aquele em cujo conceito se unifica a multiplicidade de uma intuição dada. A síntese é obra do Entendimento. Faculdade espontânea, o entendimento possui categorias ou conceitos puros que atribuem esse mesmo sentido às representações provenientes da sensibilidade. À relação entre o sujeito e a multiplicidade da intuição Kant atribui a designação de apercepção pura, afirmando a existência do «eu penso», da consciência. O conhecimento é acompanhado pela consciência. Mas, uma pergunta se mantém: como aplicar as categorias do entendimento à diversidade das intuições sensíveis?
À Imaginação é conferida um papel de mediador entre a Sensibilidade e o Entendimento. A imaginação é produtora de esquemas e um esquema é um procedimento de construção de uma imagem que delimita uma categoria. A categoria tem afinidade com o conceito, a imagem com a intuição sensível, daí que a Imaginação pertença à sensibilidade porque « a condição subjectiva é a única pela qual pode ser dada aos conceitos do entendimento uma intuição correspondente» (Kant, I, CRP, Calouste Gulbenkian, B151, p.151) . Exemplificando, o conceito de cão é uma imagem que funciona como esquema para poder ser aplicada à diversidade das sensações recebidas correspondentes ao animal. Como este exemplo pode suscitar equívocos, nada melhor do que referir o Tempo, que é um produto da imaginação porque «somos nós próprios que introduzimos, portanto, a ordem e a regularidade dos fenómenos, que chamamos natureza […] Com efeito, esta unidade da natureza deve ser uma unidade necessária, isto é, certa a priori» (CRP, A126, p.168). O Tempo está contido em toda a representação empírica e tem correspondência com cada categoria. Assim, a noção de causalidade, por exemplo, determina que uma coisa seja sucedida a outra coisa de acordo com a noção objectiva da regra de causalidade. A Imaginação está, assim, inserida entre dois campos; por um lado, o diverso da intuição, por outro a condição da unidade necessária da aperceção pura.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

O Pensamento de Antero de Quental


1.     A Metafísica Indutiva


            De acordo com o título apresentado por Antero na sua obra Tendências..., o horizonte interpretativo da filosofia é inerente à situação circunstancial de tempo em que ela é produzida. É por este motivo que Antero apresenta uma reflexão metafísica acerca dos paradigmas filosóficos do período em questão, no sentido de encontrar os princípios fundamentais concomitantes a todas as tendências presentes na Segunda metade do século XIX.
            Depois deste estudo, Antero imprime algo de novo na semântica filosófica, apresentando o conceito de metafísica indutiva. A originalidade deste termo prende-se, não tanto pelo seu campo semântico, mas pela conciliação que Antero pretende alcançar nesta altura, e sublinha-se este facto temporal, entre o conhecimento científico e a indagação metafísica. Já Kant havia estabelecido a dissemelhança entre conhecer e pensar, ou seja, entre fenómeno e noumeno
            Numa época em que fervilhavam os confrontos entre filosofias, Antero, com grande influência de E. Hartmann, procurava a devida conciliação das antinomias presentes[1] no horizonte cultural da Europa ocidental. É neste enquadramento que devemos interpretar o termo metafísica indutiva.
            A primeira ideia subjacente ao conceito supracitado será a crítica que Antero despoletará ao positivismo e cientismo e, simultaneamente, à filosofia idealista de cariz dedutivo. O reducionismo científico consistiu na factualização de todos os fenómenos registados no universo. Num contexto de pura interpretação materialista, a ciência protagonizava uma explicação puramente fenomenal de todos os aspectos da realidade, permitindo o advento da ideia da hegemonia do conhecimento científico face aos outros domínios do saber. No sentido de estabelecer os domínios cognoscíveis, a ciência estabeleceu o determinismo, como a ideia de que os acontecimentos cósmicos possuem uma conexão necessária, independentemente do tempo e do espaço. Desta forma, todos os acontecimentos estão de tal forma interrelacionados que seria possível encarar com previsibilidade todos os fenómenos que ocorressem no futuro, se no presente conseguíssemos estabelecer as relações de causa e efeito entre esses fenómenos. Esta conexão necessária entre a causa e o seu inevitável efeito, designada por causalidade fenomenal, exprime uma visão puramente mecânica do universo, em que todos os seus órgãos funcionavam como uma máquina perfeita de engrenagens entre as partes que, por sua vez, estabeleciam o todo (mecanicismo). Concomitante a estes princípios, está presente a forma ou o método empregue no estudo científico que consistia, e consiste, no enaltecimento da Indução e do método experimental. Ao conjugar estes princípios com o materialismo de, por exemplo, Miguel Bombarda e o Monismo de Haeckel, somos levados a considerar que tudo é perspectivado num ponto de vista naturalista e factual, e o que ultrapassar estes limites científicos devem ser considerados como epifenómenos, isto é, fenómenos que não merecem o epíteto de científicos, como é o caso da consciência, da liberdade e da espontaneidade.
            Antero, perante um panorama deste género, e não esquecendo o seu espírito poético e apaixonado[2], tenta recuperar a metafísica, não daquele ponto de vista panlogista, totalizante e apriorista, em que tudo era absolutizado pela acção do espírito absoluto (Hegel) e onde não havia lugar para a liberdade, mas por um ponto de vista que reconhecesse a importância da ciência e os seus próprios limites. É aqui que Antero recupera os termos conciliatórios do fenómeno e do noumeno kantianos: enquanto o fenómeno é remetido para a indagação científica, o noumeno, ou seja, tudo aquilo que ultrapassa a ciência, seria objecto da metafísica (tudo o que está para além da física), como o sentido do universo, a consciência, o espírito e a liberdade. «Deste modo, a vocação da filosofia do futuro é indutiva; será um espiritualismo idealista entroncado no materialismo. Realista, nas suas bases indutivas, transcendental, nas ideias metafísicas»[3]. A metafísica, ao não descurar o apoio base das investigações científicas, coordenará um alargamento no âmbito da explicação da realidade, no sentido de estabelecer um uma teoria geral do ser, da existência. Sendo assim, a metafísica partirá do concreto particular (indutivismo) para a substancialização geral (metafísica), para ir ao encontro da finalidade própria do universo. Estamos, pois, perante um optimismo metafísico, evidente em alguns sonetos de Antero e na obra T.G.F:

Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pacigo...

Hoje sou homem – e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.

E agora nas T.G.F.:

«Uma ideia instintiva lateja surdamente, como uma pulsação de vida, nesse universo que a ciência mede e pesa, mas não explica: é a aspiração profunda de liberdade, que abala as moles estelares como agita cada uma das suas moléculas, que anima o protoplasma indeciso como dirige a vontade dos seres conscientes. É esse fim soberano, realizado em esferas cada vez mais largas, que torna efectiva a evolução das coisas.»[4]

Aqui está a conciliação das aparentes dicotomias: Ciência / Filosofia, Fenómeno/ noumeno, Determinismo / Liberdade, Matéria / Espírito, enfim...Tristeza / Alegria.


            Com a mediação do criticismo kantiano, Antero imprime uma vertente sincrética na filosofia. Pela ideia de espontaneidade, raiz da liberdade, o homem compreende a sua própria natureza que identifica com as forças do universo. É por esta noção de espontaneidade que Antero opera a conciliação entre o mecanicismo e o espiritualismo, entre liberdade e determinismo. Para Antero, a noção de espírito envolve as noções de força e causa, isto é, o espírito é uma força-causa. Por conseguinte, os verdadeiros motivos do mundo fenoménico são encontrados no mundo do espírito, traduzindo o dinamismo psíquico como a chave do dinamismo mecânico.
            Esta concretização espiritual de toda a realidade e o enfoque dado na finitude do materialismo tem a sua base na influência que E. Hartmann exerceu sobre a fase mais madura de Antero. Para Hartmann, o processo da natureza é o duro trabalho do espírito para se encontrar a si mesmo e não se podem considerar os processos naturais unicamente do ponto de vista da causalidade. A finalidade de todo o telos universal encontra-se inconscientemente na natureza e conscientemente no homem. O inconsciente é o noumeno, a coisa em si, a essência última dos seres. O espírito é a substância constitutiva de todo o universo. Não está sempre consciente, mas tende para a consciência. Esta dinâmica é a espontaneidade (do inconsciente ao consciente). A existência do mundo (mecânico e determinista) é o reino da dor, do sofrimento e da angústia, só suplantada pela tomada de consciência da liberdade, isto é, pela ausência de existência fatalista.

2.     A Filosofia da Natureza


                Num período dominado pelas hipóteses de Darwin, pelo evolucionismo de Spencer e pelo monismo de Haeckel, o homem perdia a sua dignidade como centro e o fim da criação. É considerado como mais um elemento na dinâmica natural da substância monista. Toda a natureza está submetida, em conexão causal, a um grande processo único de evolução (evolução da natureza inorgânica e orgânica). Desconhecemos o princípio e o fim deste processo evolutivo universal. Perante este panorama científico, Antero também acreditou na ciência como meio de resposta às ansiedades humanas, embora a tivesse criticado. Esta crítica visou fundamentalmente o reducionismo gnoseológico e epistemológico protagonizado pelas ciências e a demasiada elementaridade ontológica, traduzida na visão monosubstancialista da realidade, em que os fenómenos superiores não estavam incluídos, como são exemplos a liberdade e a consciência. Será tudo determinado? Não haverá liberdade? Serão os fenómenos da consciência puras ilusões? Para um homem que sempre lutou pela liberdade e para um poeta que sempre transmitiu emoções e sentimentos, esta ideia de que tudo estava limitado pelas regras e leis regulares do determinismo biológico não encontrava guarida no pensamento de Antero. Ele mesmo questiona na obra T.G.F. se na história humana não intervém o acaso em oposição ao determinismo e fatalismo, quer materialista quer idealista.
            Uma das noções difundidas pela ciência era a ideia de espontaneidade como essência da matéria. É aqui que Antero irá formular a crítica ao naturalismo vigente, considerando que, principalmente o monismo, entrava em contradição com esta noção de espontaneidade, porque afirmava a inércia. A noção anteriana de espontaneidade identifica-se com a ideia de força espontânea ou força-causa e conota-se com a noção de dinamismo que é a essência, não só da consciência, mas de toda a realidade natural. O dinamismo mecânico está subordinado ao dinamismo psíquico. Esse dinamismo é imanência, espontaneidade, finalidade, expansão, aumento de ser, liberdade e universalidade.
            A ideia de evolução está conectada com a afirmação anteriana da espontaneidade e da liberdade em todos os processos naturais, desde os mais simples aos mais complexos. Este facto implicará a causalidade final. Todo o movimento justifica-se porque tende para algum fim, fim este que se identifica com o aumento de ser, isto é, com o progresso espiritual de todo o universo, tornado consciente no homem.

3.     Filosofia da História


            Qualquer análise que se faça à filosofia da história de Antero de Quental não pode descurar a influência que Hegel e Proudhon exerceram sobre o nosso autor. De Hegel, Antero acolheu «a ideia de síntese, definida como reconciliação integradora e superadora de contrários e a postulação de um princípio activo e imanente, que não só é ideia, mas também é Espírito, e que por uma necessidade espontânea tem de se actualizar como natureza e como história a fim de se realizar e ganhar consciência de si.»[5] No fundo, foi Hegel que o levou a interpretar, em termos teleológicos, a marcha da natureza e da história, reconhecendo a superioridade do espírito. Porém, e não nos podemos alhear deste facto, Antero criticou Hegel e o seu sistema idealista por o considerar uma forma de privação da liberdade da consciência e uma afirmação do determinismo fatalista. Esta defesa do carácter teleológico da totalidade do real será reforçada com a visível influência que Proudhon exerceu sobre Antero, nomeadamente na ideia de que o progresso tem uma dimensão essencialmente moral, o que significa que a humanidade se autojustifica sob a excitação de um ideal de natureza ética que vence o determinismo através da revolução pacífica, desencadeando a realização progressiva da ideia de justiça que consiste, por sua vez, na finalidade própria de todo o desenvolvimento humano.
            Numa direcção de mostrar a necessidade da metafísica na compreensão global dos fenómenos, com o intuito de encontrar o sentido último do ser, Antero apresenta a sua interpretação metafísica da história, sem nunca esquecer a presença do indutivismo, na medida em que, segundo Antero, não podemos conhecer nada a priori que não seja já conhecido a posteriori.
            A espontaneidade presente inconscientemente em todas as formas da matéria, existe e torna-se consciente na história e no homem. Neste dinamismo cósmico, só o homem toma conhecimento da causa e do fim de tudo, que se identifica com um fundo espiritual e ético. A história é, então, o palco da liberdade.



[1] Não esquecer o estudo que elaborámos à volta das teorias do idealismo alemão, mormente de Hegel, do materialismo, tanto de Marx como de Miguel Bombarda, o monismo de Haeckel e o positivismo de Comte;
[2] Quanto a esta caracterização, António Sérgio, com o seu carácter pragmático e lógico, criticá-lo-á , nomeadamente pela forma como Antero conclui a obra Tendências...;
[3] Fernando Catroga, A Metafísica Indutiva de Antero de Quental, p. 486;
[4] Antero de Quental, T.G.F.
[5] Opinião de Fernando Catroga. op. cit.



terça-feira, 8 de maio de 2018

Questões de Exame: Fundamentação da Moral


Leia o texto seguinte.
Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há, além disso, muitas almas de disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse pessoal, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo porém que, neste caso, uma ação deste tipo, ainda que seja conforme ao dever, ainda que seja amável, não tem qualquer verdadeiro valor moral […].
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 28 (adaptado)
Por que razão Kant afirma que o tipo de ação descrito no texto anterior não tem valor moral?

2019 1ª fase grupo I
3. Imagine que o Luís precisa urgentemente de medicamentos e que a única maneira de os conseguir é pedir dinheiro emprestado a um amigo rico, sem ter a intenção de lho pagar. Neste caso, o Luís decidiu adotar a máxima «faz promessas enganadoras quando não há outra forma de resolver os teus problemas pessoais».
Esta máxima pode ser usada para fazer uma crítica à ética kantiana, dado ser razoável argumentar quea máxima
(A) não é imoral, ainda que não seja racional querer universalizá-la.
(B) é imoral, ainda que venha a ter aprovação dos agentes envolvidos.
(C) não é imoral, embora seja um imperativo categórico condicional.
(D) é imoral, embora dê prioridade às consequências da ação.


2012 1ª fase
Leia o texto seguinte.
Texto B
Quando Kant propõe […], enquanto princípio fundamental da moral, a lei «Age de modo que
a tua regra de conduta possa ser adotada como lei por todos os seres racionais», reconhece
virtualmente que o interesse coletivo da humanidade, ou, pelo menos, o interesse indiscriminado da humanidade, tem de estar na mente do agente quando este determina conscienciosamente a moralidade do ato. Caso contrário, Kant estaria [a] usar palavras vazias, pois nem sequer se pode defender plausivelmente que mesmo uma regra de absoluto egoísmo não poderia ser adotada por todos os seres racionais, isto é, que a natureza das coisas coloca um obstáculo insuperável à sua adoção. Para dar algum significado ao princípio de Kant, o sentido a atribuir-lhe tem de ser o de que devemos moldar a nossa conduta segundo uma regra que todos os seres racionais possam adotar com benefício para o seu interesse coletivo.
John Stuart Mill, Utilitarismo, Porto, Porto Editora, 2005
Na resposta a cada um dos itens de 2.1. a 2.4., selecione a única opção adequada ao sentido do texto.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
2.1. Segundo Stuart Mill, Kant verdadeiramente valoriza
(A) as circunstâncias da ação.
(B) o interesse da humanidade.
(C) o imperativo categórico.
(D) um imperativo hipotético.
Prova 714.V1/1.ª F. • Página 3/ 8
2.2. Kant defende que a ação moral é determinada
(A) pela inclinação e pela boa vontade.
(B) pelo exemplo e pelo sentimento.
(C) pela razão e pelo dever.
(D) pelo bem-estar e pela felicidade.
2.3. Stuart Mill defende que uma ação tem valor moral
(A) sempre que o agente renuncia ao prazer.
(B) quando a intenção do agente é boa.
(C) sempre que resulta de uma vontade boa.
(D) quando dela resulta um maior bem comum.
2.4. Para Kant, a lei «Age de modo que a tua regra de conduta possa ser adotada como lei por todos os
seres racionais» significa que
(A) os seres racionais estão submetidos a leis objetivas.
(B) as ações morais são avaliadas segundo as leis vigentes.
(C) as ações morais são avaliadas pelas suas consequências.
(D) os seres racionais estão submetidos às suas emoções.

2012 2ª fase
Leia o texto seguinte.
Texto A
 Ficaria eu satisfeito de ver a minha máxima (de me tirar de apuros por meio de uma promessa não verdadeira) tomar o valor de lei universal (tanto para mim como para os outros)? E poderia eu dizer a mim mesmo: – Toda a gente pode fazer uma promessa mentirosa quando se acha numa dificuldade de que não pode sair de outra maneira? Em breve reconheço que posso em verdade querer a mentira, mas que não posso querer uma lei universal de mentir; pois, segundo uma tal lei, não poderia propriamente haver já promessa alguma […]. Por conseguinte, a minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente.
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Coimbra, Atlântida, 1960
1.1. Explique, a partir do exemplo do texto, por que razão o ato de mentir nunca é moralmente permissível, segundo Kant.
1.2. Compare o papel da intenção do agente na ética de Kant com o papel da intenção do agente na ética de Stuart Mill.



2012 época especial
Leia o texto seguinte.
Texto B
O princípio da felicidade pode, sem dúvida, fornecer máximas, mas nunca aquelas que serviriam de leis da vontade […]. Podem certamente dar-se regras gerais, mas nunca regras universais, isto é, regras que, em média, são corretas na maior parte das vezes, mas não regras que devem ser sempre e necessariamente válidas […]. Este princípio não prescreve, pois, a todos os seres racionais as mesmas regras práticas, embora estejam compreendidas sob um título comum, a saber, o de felicidade.
 Kant, Crítica da Razão Prática, Lisboa, Edições 70, 1989
Na resposta a cada um dos itens de 3.1. a 3.4., selecione a única opção adequada ao sentido do texto. Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
3.1. Segundo Kant, o princípio da felicidade
(A) prescreve regras universais, porque todas as pessoas as podem seguir.
(B) é contrário à moral, porque torna as pessoas egoístas.
(C) é um princípio ético que a todos impõe a beatitude.
(D) pode fornecer regras, mas não uma lei moral.
3.2. O texto de Kant refere-se implicitamente ao imperativo categórico quando menciona
 (A) as máximas da ação.
(B) as leis da vontade.
(C) regras em média corretas.
(D) o princípio da felicidade.
3.3. Diferentemente de Kant, Stuart Mill defende que a ação ética visa
(A) a obtenção do prazer pessoal e a promoção de interesses individuais.
(B) o prazer em realizar a ação independentemente dos seus resultados.
(C) a promoção do maior bem comum.
(D) o desejo do agente de ser feliz. 3.4.
3.4 A ética de Stuart Mill pode ser classificada como
(A) hedonista, porque a felicidade e a qualidade dos prazeres são o objetivo da vida boa.
(B) hedonista, porque a intensidade e a duração do prazer são o objetivo da vida boa.
 (C) deontológica, porque o critério ético é a vontade enquanto determinante da ação.
 (D) deontológica, porque o critério ético é o resultado das ações.

Atente no problema apresentado no caso seguinte.
Circulam já alguns automóveis autónomos, ou seja, capazes de se conduzirem a si próprios. As empresas envolvidas na produção de automóveis autónomos têm feito grandes progressos, e os problemas tecnológicos levantados pela exigência de autonomia estão quase resolvidos. Subsiste, todavia, um problema ético: os automóveis autónomos podem ser programados para, em caso de acidente iminente, darem prioridade à segurança dos seus passageiros ou, em alternativa, darem prioridade à minimização do número total de vítimas.
Qual das duas programações referidas seria adotada por um defensor da ética de Mill? Justifique.

2016 1ª fase
Será que, de acordo com a ética utilitarista de Mill, quando calculamos as consequências dos nossos atos, temos a obrigação de dar prioridade aos nossos familiares, amigos e vizinhos mais próximos? Porquê?

Segundo Kant, a máxima de que devemos diminuir os outros para ver reconhecida a nossa superioridade não está de acordo com o imperativo categórico, tal como é apresentado na fórmula da lei universal, porque
(A) a sua adoção universal anularia o nosso sentimento de igualdade.
(B) não tem em conta o interesse próprio de todos os agentes.
(C) a sua adoção por todos os agentes teria consequências negativas.
(D) não é possível universalizá-la sem que ela se anule a si mesma.

2016 1ª fase
Leia o texto. Que outra coisa pode ser, pois, a liberdade da vontade senão autonomia, isto é, a propriedade da vontade de ser lei para si mesma? […] Vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma coisa.
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 94 (adaptado)
 Explique por que razão, segundo Kant, «vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma coisa».

2014 2ª fase
1. Leia o texto seguinte.
É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não suba os preços ao comprador inexperiente, e, quando o movimento do negócio é grande, o comerciante esperto também não faz semelhante coisa, mas mantém um preço fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança pode comprar no seu estabelecimento tão bem como qualquer outra pessoa. É-se, pois, servido honradamente; mas isso ainda não é bastante para acreditar que o comerciante assim proceda por dever e por princípios de honradez; o seu interesse assim o exige […].
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 27 (adaptado)
1.1. Distinga, partindo do exemplo dado por Kant, agir por dever de agir em conformidade com o dever.
1.2. Explique, de acordo com Kant, a relação entre autonomia e boa vontade.

6. De acordo com Kant, uma pessoa que, motivada pela obediência a um mandamento da religião que professa, dá assistência a quem vive numa situação de pobreza
(A) age, neste caso, apenas por dever.
(B) age, neste caso, por respeito à lei moral.
(C) não tem, neste caso, uma vontade autónoma.
(D) é uma pessoa que, neste caso, se autodetermina.

Leia o texto seguinte.
O utilitarismo exige que o agente seja tão estritamente imparcial entre a sua própria felicidade
e a dos outros como um espectador desinteressado e benevolente.
J. S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 63-64
Há quem critique a exigência referida no texto por ser excessiva.
Dê um exemplo que ilustre essa crítica ao utilitarismo. Na sua resposta, comece por explicitar a exigência referida no texto.

2014 2ª fase
Leia o texto seguinte. É perfeitamente compatível com o princípio de utilidade reconhecer que alguns tipos de prazer são mais desejáveis do que outros [...]. É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser um Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente, é porque só conhecem o seu próprio lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados.
J. S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 52-54 (adaptado)
Caracterize, a partir do texto, a perspetiva de Mill sobre a felicidade.

2018 1ª fase.
3. Segundo a perspetiva utilitarista, a única coisa desejável por si mesma é
(A) a felicidade.
(B) o dever.
(C) a boa vontade.
(D) a justiça.

2018 1ª fase
4. Considere o caso seguinte. Um agressor apoderou-se de um tanque de guerra e manifestou publicamente a intenção de matar centenas de pessoas. Fez ainda um refém inocente, que mantém no tanque, usando-o como escudo humano. Destruir o tanque, matando o agressor e o refém, é a única alternativa capaz de evitar a morte de centenas de pessoas.
De acordo com a ética de Mill, num caso como o apresentado,
(A) é obrigatório abstermo-nos de agir.
(B) é permissível abstermo-nos de agir.
(C) é obrigatório destruirmos o tanque.
(D) é proibido sacrificarmos inocentes.


Leia o texto seguinte.
Não existe sistema moral algum no qual não ocorram casos inequívocos de obrigações em
conflito. Estas são as verdadeiras dificuldades, os momentos intrincados na teoria ética e na
orientação conscienciosa da conduta pessoal. São ultrapassados, na prática, com maior ou
menor sucesso, segundo o intelecto e a virtude dos indivíduos; mas dificilmente pode alegar-
-se que alguém está menos qualificado para lidar com eles por possuir um padrão último para
o qual podem ser remetidos os direitos e os deveres em conflito. Se a utilidade é a fonte última das obrigações morais, pode ser invocada para decidir entre elas quando as suas exigências são incompatíveis. Embora a aplicação do padrão possa ser difícil, é melhor do que não ter padrão algum […].
S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005 (adaptado)
1. Stuart Mill afirma que «a utilidade é a fonte última das obrigações morais» (linhas 6 e 7).
Esclareça o conceito de «utilidade», integrando-o na ética de Stuart Mill.
2. Atente na primeira afirmação do texto de Stuart Mill: «Não existe sistema moral algum no qual não ocorram casos inequívocos de obrigações em conflito.» (linhas 1 e 2).
Confronte as perspetivas de Kant e de Stuart Mill acerca da forma de resolver conflitos de obrigações.
Na sua resposta, recorra a um exemplo de conflito de obrigações.

2015 1ª fase
1. Haverá alguma circunstância em que seja moralmente aceitável matar uma pessoa inocente, sem o seu consentimento, para salvar a vida de outras cinco pessoas?
Apresente as respostas que Kant e que Mill dariam à questão anterior, comparando-as.

2015 2ª fase
A maximização da utilidade, defendida por Mill, obriga a
(A) considerar imparcialmente o bem de cada pessoa.
(B) dar prioridade às pessoas que nos são mais próximas.
(C) satisfazer apenas o nosso interesse próprio racional.
(D) valorizar mais a comunidade do que o indivíduo.

2015 2ª fase
A perspetiva ética de Mill enfrenta a objeção seguinte.
(A) A felicidade não pode ser uma questão meramente quantitativa.
(B) É errado não dar prioridade aos interesses da maioria das pessoas.
(C) Temos de ser responsáveis pelas consequências do que fazemos.
(D) Dar sempre prioridade à felicidade geral é demasiado exigente.

20191ª fase Grupo I
4. De acordo com Mill,
(A) os prazeres físicos e sensuais nem sempre são inferiores.
(B) apenas os animais têm prazeres inferiores.
(C) devemos renunciar aos prazeres inferiores para não nos rebaixarmos à condição animal.
(D) são superiores os prazeres preferidos por quem tem competência para os apreciar.




2015 2ª fase
«Não mintas se queres que acreditem em ti quando dizes a verdade.»
O imperativo anterior é hipotético ou categórico?
Justifique a sua resposta, distinguindo os dois tipos de imperativo.

2014 1ª fase
Leia o texto seguinte. O valor moral da ação não reside, portanto, no efeito que dela se espera […]. Nada senão a representação da lei em si mesma, que em verdade só no ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado efeito, que determina a vontade, pode constituir o bem excelente a que chamamos moral, o qual se encontra já presente na própria pessoa que age segundo esta lei, mas não se deve esperar somente do efeito da ação.
 I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, pp. 31-32 (adaptado)
Compare, a partir do texto, a perspetiva de Kant com a de Mill relativamente àquilo que determina o valor moral da ação.

2013 1ª fase
Leia o texto seguinte.
Ora todos os imperativos ordenam ou hipotética ou categoricamente. Os hipotéticos
representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar qualquer
outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria
aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem
relação com qualquer outra finalidade. […] No caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, o imperativo é hipotético; se a ação é representada como boa em si, por conseguinte, como necessária numa vontade em si conforme à razão, como princípio dessa vontade, então o imperativo é categórico.
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 2011
1. A partir do texto, mostre por que razão, para Kant, a ação com valor moral se fundamenta no imperativo categórico e não em imperativos hipotéticos.
Na sua resposta, integre, de forma pertinente, informação do texto.
2. Será que há deveres morais absolutos?
Compare as respostas de Kant e de Stuart Mill a esta questão.

2018 1ª fase.
1. Leia o texto seguinte. Uma pessoa, por uma série de desgraças, chegou ao desespero [...]. A sua máxima […] é a seguinte: Por amor de mim mesmo, admito como princípio que, se a vida, prolongando-se, me ameaça mais com desgraças do que me promete alegrias, devo encurtá-la. [...] Vê-se então [...] que uma natureza cuja lei fosse destruir a vida em virtude do mesmo sentimento cujo objetivo é suscitar a sua conservação se contradiria a si mesma.
 I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1986, p. 63.
1.1. Explique como Kant, recorrendo à fórmula da lei universal do imperativo categórico, condena o suicídio.
1.2. Segundo Kant, uma pessoa que, nas circunstâncias descritas no texto, optasse pelo suicídio agiria de modo autónomo ou heterónomo? Justifique a sua resposta.

2018, 2F, V1
6. De acordo com a ética de Kant, temos a obrigação de respeitar os princípios seguintes: – Nunca se deve violar contratos. – Nunca se deve quebrar promessas. Suponha que alguém prometeu fazer algo, não se apercebendo de que isso implicava violar um contrato. Que problema levantaria este caso à ética de Kant?
(A) O primeiro princípio deverá ser desrespeitado, pois tem menos força do que o segundo.
(B) O segundo princípio deverá ser desrespeitado, pois tem menos força do que o primeiro.
(C) Os dois princípios deixam de ter importância moral, pois mostram não ser universalizáveis. 
(D) O conflito de princípios é irresolúvel, pois ambos constituem proibições absolutas.


2018, F2
1. Leia os dois textos seguintes, um de Kant e outro de Mill. Aquele que diz uma mentira, por muito bem-intencionado que possa ser, tem de ser responsável pelas suas consequências […], ainda que estas possam ter sido imprevisíveis; pois a veracidade é um dever que tem de ser entendido como a base de todos os deveres decorrentes de um contrato, cuja lei se torna incerta e inútil caso se admita a menor exceção. Por conseguinte, ser verídico (honesto) em todas as declarações é um mandamento sagrado da razão […]. 

 I. Kant, «Sobre um Suposto Direito de Mentir por Amor à Humanidade», in A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, Lisboa, Edições 70, 1989, pp. 175-176 (texto adaptado).

Todos os moralistas reconhecem que mesmo a regra de dizer a verdade, sagrada como é, admite a possibilidade de exceções, verificando-se a principal quando ocultar um facto (por exemplo, ocultar informação a um malfeitor ou más notícias a uma pessoa muito doente) iria salvar uma pessoa (especialmente uma pessoa que não nós próprios) de um mal maior e imerecido, e quando só é possível realizar a ocultação negando a verdade.
J. S. Mill, Utilitarismo, Porto, Porto Editora, 2005, p. 63 (texto adaptado).

Confronte as posições de Kant e de Mill, expressas nos textos anteriores, acerca da regra de dizer a verdade. Na sua resposta, integre adequadamente a informação dos textos.

2019 1ª fase Grupo V
Entretanto, ela soube que o voluntariado era muito valorizado nas entrevistas de emprego. Por essa razão, decidiu contactar uma conhecida associação de apoio a crianças doentes e conseguiu ser admitida, passando a conciliar o trabalho de voluntariado com os estudos. Pela sua dedicação e pela sua simpatia, a Maria destacou-se desde o primeiro momento como uma das voluntárias favoritas das crianças e das famílias.
O apoio dado pela Maria às crianças doentes e às suas famílias tem valor moral?
Na sua resposta, deve:
‒ clarificar o problema filosófico inerente à questão formulada;
‒ apresentar inequivocamente a sua posição;
‒ argumentar a favor da sua posição.



Leia o Texto 1 e considere-o nas suas respostas aos itens 11 e 12.

Texto 1

Temos a obrigação de ajudar alguém que seja pobre; mas, como o favor que fazemos implica que  o  seu  bem-estar  depende  da  nossa  generosidade,  e  isso  humilha  a  pessoa,  é  nosso  dever  comportarmo-nos  como  se  a  nossa  ajuda  fosse  [...]  meramente  o  que  lhe  é  devido  [...],  permitindo-lhe manter o seu respeito por si própria [...], de modo a não diminuir o valor dessa pessoa enquanto ser humano [...].

Kant, A Metafísica dos Costumes, Lisboa, FCG, 2017, pp. 390-392. (Texto adaptado)

11. É possível inferir do Texto 1 que há atos de caridade que podem ser moralmente censuráveis. Concorda  que    atos  de  caridade  que  podem  ser  moralmente  censuráveis?  Justifique  a  sua perspetiva.

12. No Texto 1, Kant começa por afirmar que «temos a obrigação de ajudar alguém que seja pobre». Essa afirmação exprime um juízo de valor? Justifique a sua resposta.

Correção: Correção: http://iave.pt/images/arquivo_de_provas/2020/714/EX-Fil714-F2-2020-CC-VD_net.pdf



13. Considere o caso seguinte.

Num país, metade das pessoas tem um rendimento mensal de 6000 €, que lhes permite adquirir  bens  que  elas  próprias  consideram  dispensáveis,  e  a  outra  metade  tem  um  rendimento mensal de 600 €, que dificilmente chega para satisfazer as suas necessidades básicas.  Foram  apresentadas  duas  propostas  ao  governo:  na  primeira,  propõe-se  que  o  rendimento  disponível  seja  redistribuído,  transferindo  200    das  pessoas  que  têm  um  rendimento  mensal  de  6000    para  as  que  têm  um  rendimento  mensal  de  600  €;  na  segunda, propõe-se que não se faça qualquer redistribuição.

Um utilitarista tenderia a apoiar a primeira proposta. Porquê?

Correção: Correção: http://iave.pt/images/arquivo_de_provas/2020/714/EX-Fil714-F2-2020-CC-VD_net.pdf



2021, 1ª fase, V1

5. Mill considera que a avaliação moral das ações deve ser feita

(A) em função da felicidade dos outros.

(B) de acordo com os motivos do agente.

 (C) em função da felicidade do agente.

(D) de acordo com as suas consequências.

https://www.examesnacionais.com.pt/exames-nacionais/11ano/2021-1fase/Filosofia-Criterios.pdf


2021, 1ª fase, V1

17. Será que uma ação só é moralmente boa se for motivada pelo dever?

Na sua resposta, deve:

− clarificar o problema filosófico inerente à questão formulada;

− apresentar inequivocamente a sua posição;

− argumentar a favor da sua posição, mobilizando conceitos ou teorias relevantes;

− apresentar pelo menos um exemplo que ilustre a posição defendida.

https://www.examesnacionais.com.pt/exames-nacionais/11ano/2021-1fase/Filosofia-Criterios.pdf


20-21 2ª fase V1
12. Leia o texto seguinte. [Uma ação motivada apenas pela compaixão], por conforme ao dever que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais ações se pratiquem, não por inclinação, mas por dever. I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, pp. 28-29. (Texto adaptado) 

12.1. Apresente um exemplo de uma ação motivada por uma inclinação e que não seja contrária ao dever. Explique a sua escolha. 

12.2. Kant afirma que uma ação motivada apenas pela compaixão não tem nenhum verdadeiro valor moral. Concorda com esta tese de Kant? Justifique. Na sua resposta, −− apresente inequivocamente a sua posição; −− argumente a favor da sua posição.

Critérios: https://iave.pt/wp-content/uploads/2021/09/EX-Fil714-F2-2021-CC-VT_net.pdf

2022, 1ª fase

– Diz-me tu mesmo francamente, desafio-te… responde-me: imagina que és tu que constróis o edifício do destino da humanidade, para no final fazer as pessoas felizes, dar-lhes enfim a paz e o sossego, mas para isso é necessário e inevitável torturar apenas uma criaturinha pequenina, por exemplo, aquela criança, [...] e assentar esse edifício nas suas lágrimas não vingadas: concordarias em ser o arquiteto nessas condições? Diz-me, e não mintas! – Não, não concordaria – disse Aliocha em voz baixa. – E podes admitir a ideia de que as pessoas para quem constróis esse edifício concordassem em aceitar a sua felicidade à custa do sangue injustificado de um pequeno mártir, e aceitando-a vivessem felizes para sempre? – Não, não posso admitir.

 F. Dostoievski, Os Irmãos Karamázov, Lisboa, Relógio D'Água Editores, 2012, p. 251.

13.1. Identifique a teoria moral que está a ser rejeitada por Aliocha. Justifique a identificação feita.

13.2. Aliocha rejeita a maneira descrita de se alcançar a felicidade. Que justificação moral poderia Aliocha dar para essa rejeição?



2.ª fase 2022

11. Considere os dois imperativos seguintes.

1. Não viole os contratos se quer fazer bons negócios.

2. Não viole os contratos.

Identifique o imperativo, 1. ou 2., que, de acordo com Kant, é moral, explicitando a característica que o

distingue daquele que não é moral.

Prova 714.V1/2.ª F. • Página 5/ 7

Critérios: Filosofia-Criterios.pdf (examesnacionais.com.pt)


2ª fase 2022

12. Leia o texto seguinte.

As emoções e os sentimentos podem provocar distúrbios destrutivos nos processos de raciocínio em determinadas circunstâncias. [...] [Mas] a ausência de emoções não deixa de poder comprometer a racionalidade que nos torna distintamente humanos e nos permite decidir em conformidade com um sentido de futuro pessoal, convenção social e princípio moral. […] Emoção, sentimento e regulação biológica desempenham um papel na razão humana. […] O facto de agir de acordo com um dado princípio ético requerer a participação de circuitos [neurológicos] modestos no cerne do cérebro não empobrece esse princípio ético. O edifício da ética não desaba, a moralidade não está ameaçada.

A. Damásio, O Erro de Descartes – Emoção, Razão e Cérebro Humano, Mem Martins,

Publicações Europa-América, 1985, pp. 14-15. (Texto adaptado)

Argumente contra a ética de Kant a partir da informação do texto anterior.


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2023, 2ª fase

11. Considere o texto seguinte. 
O conceito do dever em toda a sua pureza é […] incomparavelmente mais simples, mais claro e, no uso prático, mais compreensível e mais natural, para quem quer que seja, do que todo o motivo procedente da felicidade […]. A vontade que se orienta pela máxima da felicidade oscila entre os seus motivos quanto ao que deve decidir; com efeito, olha para o resultado, e este é muito incerto; é preciso ter uma boa cabeça para se desenvencilhar do emaranhado de razões e contrarrazões e não se enganar na ponderação. Pelo contrário, se se interroga sobre qual é o seu dever, […] sabe logo o que tem de fazer. I. Kant, A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, Lisboa, Edições 70, 1990, pp. 70-71. 

11.1. Explique a objeção kantiana, presente no texto, à adoção da máxima da felicidade. Na sua resposta, integre informação do texto. 
11.2. Concorda com a perspetiva de Kant expressa no texto? Na sua resposta, deve:  − apresentar inequivocamente a sua posição acerca da perspetiva de Kant expressa no texto;  − argumentar a favor da sua posição, recorrendo a um exemplo.


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Considere o texto seguinte. A piedade é um sentimento natural […]. É ela que nos leva a socorrer, sem pensar duas vezes, as pessoas que vemos em sofrimento […]. É ela que, no lugar da máxima […] Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti, inspira a todos os seres humanos esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, mas talvez mais útil do que a anterior: Faz o que é bom para ti provocando o menor mal possível a outrem. É, em suma, neste sentimento natural, mais do que em argumentos subtis, que é preciso procurar a causa da repugnância que qualquer ser humano sentiria ao praticar o mal, independentemente das máximas que lhe moldaram a educação. 
J.-J. Rousseau, Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, Lisboa, Penguin, 2021, pp. 54-55. (Texto adaptado) 

O autor do texto defende que a máxima de que cada um deve fazer o que é bom para si provocando o menor mal possível a outrem não é afetada por variações pessoais nem culturais. Como é que o autor justifica a sua posição?

Critérios:https://www.examesnacionais.com.pt/exames-nacionais/11ano/2023-2fase/Filosofia-Criterios.pdf

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A justiça é um nome para certas exigências morais que, consideradas coletivamente, ocupam um lugar mais elevado na escala da utilidade […] do que quaisquer outras, ainda que possam ocorrer casos particulares em que outro dever social é tão importante que passa por cima das máximas gerais da justiça. Assim, para salvar uma vida, pode não só ser admissível, mas constituir mesmo um dever, roubar ou tirar à força a comida ou os medicamentos necessários, ou raptar e forçar a trabalhar o único médico qualificado. Nesses casos, […] dizemos geralmente, não que a justiça tem de dar lugar a outro princípio moral, mas que, devido a esse outro princípio, aquilo que é justo nos casos comuns não é justo neste caso particular. 
J. S. Mill, Utilitarismo, Porto, Porto Editora, 2005, p. 104. 14.1. 

Explicite as razões que, de acordo com o texto, justificam que um ato habitualmente tido por injusto possa «não só ser admissível, mas constituir mesmo um dever». Na sua resposta, integre informação do texto. 

Critérios: https://www.examesnacionais.com.pt/exames-nacionais/11ano/2023-2fase/Filosofia-Criterios.pdf

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14.2. Concorda com a ideia segundo a qual um ato habitualmente tido por injusto possa «não só ser admissível, mas constituir mesmo um dever»? Na sua resposta, deve:  − apresentar inequivocamente a sua posição;  − argumentar a favor da sua posição.

Critérios: https://www.examesnacionais.com.pt/exames-nacionais/11ano/2023-2fase/Filosofia-Criterios.pdf

2023-2024 1.ª fase

11. A imparcialidade é uma exigência do princípio da utilidade defendido por Mill. Caracterize a imparcialidade exigida pelo princípio da utilidade. Na sua resposta, comece por apresentar o princípio da utilidade. 

12. Kant defende que é possível fazermos o bem e, mesmo assim, as nossas ações não terem valor moral. Concorda com a perspetiva de Kant acerca do valor moral das ações? 
Na sua resposta, deve:
 − apresentar inequivocamente a sua posição;
 − argumentar a favor da sua posição.