sábado, 3 de dezembro de 2011

Lógica, lógica informal, demonstração, demonstração dialética, retórica e persuasão




1.       No estudo que efetuámos sobre a lógica vimos como se estruturam os argumentos dedutivos válidos. Partimos do pressuposto que, se as premissas forem verdadeiras a conclusão também será verdadeira. Assim, num argumento válido as premissas sustentam a conclusão. Esta característica da validade é atribuída a todos os argumentos. Contudo, há argumentos que utilizam demonstrações dialéticas, pois utilizam premissas passíveis ou não de concordância. Portanto, aquela distinção entre demonstração e argumentação é mais formal do que real, pois a argumentação também se estabelece a partir da lógica formal, nomeadamente pela avaliação da validade.

Demonstração
Demonstração dialética
Se 2+2=4, então 3+1=4. 2+2=4, logo 3+1=4
Todos os seres têm direitos. O javali é um ser, logo o javali tem direitos

É fácil constatar que a diferença fundamental entre a demonstração e a demonstração dialética reside no facto das premissas da demonstração dialética serem discutíveis, ao passo que as premissas da demonstração são verdades necessárias e estabelecida, embora ambos possam ser avaliados através da lógica.
2.       Em virtude do seu carácter discutível, a demonstração dialética procura, além da validade, a persuasão, isto é, procura a melhor forma de construir argumentos bons. Para tal, recorre a outros instrumentos, como a retórica. Um bom argumento procura convencer, auxiliando-se na retórica no sentido de encontrar vias que tornem possível um maior esclarecimento e uma forma de comunicação mais eficaz. No decurso de uma discussão, resultado da presença de um argumento dialético, os interlocutores utilizam outros argumentos como a indução, a analogia ou os argumentos de autoridade. Evidentemente que os devem utilizar da melhor forma para não caírem em falácias, como pode servir de exemplo a generalização precipitada. Para tal, o contexto, o conhecimento do auditório e outras variáveis devem ser devidamente ponderadas.
3.   Porém não devemos esquecer a distinção entre persuasão e manipulação. Um dos ingredientes fundamentais de qualquer argumentação reside no respeito que qualquer pessoa merece. Para tal, a nossa intenção deve persuadir, atribuindo ao nosso interlocutor o respeito devido, apontando as razões e dando-lhe liberdade de pensamento, não o condicionando na sua racionalidade. A manipulação não permite que tal aconteça. Ela sugere, não demonstra, procurando jogar com as emoções e com o subconsciente.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Argumentação e Retórica

Retórica e lógica informal

Por “retórica” pode-se entender um conjunto de regras que têm por objectivo tornar mais clara a expressão dos argumentos; este sentido de “retórica” coincide com o que hoje se chama “lógica informal”. Mas por “retórica” pode entender-se outra coisa: a arte de persuadir independentemente da validade dos argumentos.
O papel da lógica informal pode ser ilustrado com o seguinte argumento:
1) Se desejarmos apurar as capacidades cognitivas dos alunos, temos de os ensinar a formular com clareza, precisão e criatividade os problemas, teorias e argumentos filosóficos.
2) Se concebemos a filosofia como uma actividade cognitiva, o objectivo do seu ensino será apurar as capacidades cognitivas dos alunos.
C) Logo, se concebemos a filosofia como uma actividade cognitiva, temos de ensinar os alunos a formular com clareza, precisão e criatividade os problemas, teorias e argumentos filosóficos.
Do ponto de vista da lógica formal é indiferente apresentar o argumento por esta ordem, ou inverter a ordem e começar por 2 em vez de 1. No entanto, o argumento é mais facilmente compreensível se começarmos por 2. A lógica informal aconselha a começar por 2 (cf. Weston, Anthony, A Arte de Argumentar, Gradiva, Lisboa, 1996, págs. 21-23).
Contudo, a retórica aconselha a não mudar a ordem, precisamente pela mesma razão. Enquanto a lógica informal é uma actividade que tem como objectivo o argumento válido persuasivo, a retórica tem por objectivo único persuadir o interlocutor — e é mais fácil persuadir o interlocutor quando ele não consegue avaliar o argumento em causa por ficar confundido, uma vez que assim também não consegue refutá-lo. Enquanto a lógica informal tem por objectivo oferecer a possibilidade do pensamento crítico, a retórica tem por objectivo silenciar o pensamento crítico e persuadir a outra pessoa, independentemente da validade dos argumentos apresentados.
Nenhuma retórica pode transformar um argumento mau num bom argumento; o que a retórica pode fazer, no máximo, é disfarçá-lo; mas não ajuda a apresentar argumentos válidos nem a denunciar os inválidos. É a lógica informal que ajuda a fazer ambas as coisas.
Tanto a lógica informal como a retórica têm em conta o auditório, mas de modos distintos. Do ponto de vista da retórica qualquer argumento que convença um auditório é bom, pois a persuasão é a única medida da argumentação. Mas é evidente que as piores falácias podem persuadir muitos auditórios, e nem por isso deixarão de ser falácias, ainda que sejam falácias persuasivas (aliás, por definição, uma falácia é um argumento inválido que é persuasivo porque parece válido, e portanto a retórica é incapaz de explicar o próprio conceito de falácia). Para a lógica informal, pelo contrário, o auditório é importante mas não determina só por si a validade ou invalidade da argumentação. O auditório é importante na lógica informal porque, por exemplo, ao argumentar a favor de uma dada ideia temos de escolher premissas que consideremos verdadeiras e que sejam aceitáveis para o nosso auditório; caso contrário estaremos a falar apenas para quem já aceita as nossas ideias. É por isso que o seguinte argumento é mau:
O aborto não deve ser permitido porque é o assassínio de inocentes.
Este argumento é mau porque quem não aceita a conclusão (“O aborto não deve ser permitido”) também não aceita a premissa (“O aborto é o assassínio de inocentes”). A argumentação criativa é a arte de mostrar que há argumentos válidos a favor de P que partem de premissas que quem é contra P está disposto a aceitar. E esta arte não se adquire com o estudo da retórica, mas sim com o estudo da lógica informal.

Exercícios

  1. “A retórica complementa a lógica e ultrapassa os seus limites.” Concorda? Porquê?
  2. Qual é o objecto de estudo da lógica informal?
  3. Qual é o objecto de estudo da retórica?
Desidério Murcho
Extraído de O Lugar da Lógica na Filosofia, de Desidério Murcho (Plátano, 2003

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Conhecimento Filosófico.

O conhecimento filosófico

Quando pretendemos escrever sobre um qualquer assunto é conveniente definir muito bem os termos com que faremos o nosso texto.

Conhecimento pode ser definido como uma crença, entendida como algo em que nós acreditamos; verdadeira, porque tem que corresponder à realidade e, obviamente, justificada. Não vale dizermos seja o que for sem saber justificar o que foi dito. Nesta medida, o conhecimento refere-se sempre a algo e visa compreendê-lo. Para tal faz-se um esforço para organizar as ideias, no sentido de lhes fornecer uma ordem. Quando nos deparamos com uma situação nova, somos levados a procurar uma ideia, um sentido àquilo para nos sentirmos mais seguros. Só que, por vezes, a realidade não é assim tão fácil. Há assuntos que merecem mais a nossa atenção do que outros; assim como há assuntos que são mais facilmente resolúveis por determinadas ciências. Um cientista procura, através de um método e instrumentos próprios, conhecer a realidade, dando-lhe um certo significado. Por isso, cria fórmulas químicas, modelos matemáticos, classificações de plantas e animais… Atenção, não quer isto dizer que a filosofia não necessita da ciência. Aliás, é imprescindível o recurso à ciência para fazer filosofia.
Vamos fazer a ligação com a filosofia
A filosofia não envereda por estes caminhos. Os seus recursos técnicos não são idênticos às ditas ciências naturais. Na filosofia não se usam microscópios (embora, por vezes, seja necessário um olhar de lince), muito menos provetas. Na filosofia recorre-se à argumentação. O raciocínio é uma predisposição que possuímos que nos leva a pensar sistematicamente com o objetivo de qualquer pessoa reconhecer como correto. A razão é, deste modo, um recurso importante porque nos propõe utilizar um método que seja imune ao individual e social. A lógica tem aqui um papel preponderante.
Agora uma ligação com os argumentos
A correção dos nossos argumentos é uma exigência social. Daí que a filosofia recorra de forma assídua à lógica. Esta mostra-nos quando um argumento é ou não válido, tem ou não sentido, o que não impede que façamos as devidas correções às premissas que sustentam a conclusão. Isso mesmo, um argumento é um encadeamento de ideias em que a última é sempre expressão das anteriores.
Não parece muito viável que executamos qualquer ponto de vista a partir de uma forma desconexa, pois não permitiria que a racionalidade do outro fosse respeitada. Também ninguém quereria ficar nesta situação porque todos nós temos um conjunto de teses sobre a realidade que gostamos de partilhar. As teses não são mais do que ideias que formulamos acerca dos problemas; proposições, verdadeiras ou falsas, sobre os mais variados assuntos. Mas sejamos sérios. Estas ideias não se podem ficar por meras opiniões, elas devem ser sustentadas por argumentos que enalteçam a clareza e a racionalidade. Os problemas da vida assim o exigem. (aproveito para falar de problemas).
Problemas há muitos. É comum identificarmos um problema com uma situação que apela à nossa intervenção e compreensão, no sentido de ser clarificado para nosso benefício. Mas atenção, a filosofia não se debruça sobre o problema, por exemplo, da transmissão de certas doenças; os problemas da filosofia correspondem às designadas crenças básicas, crenças que servem de apoio a todas as outras. Se estou a tentar conhecer algo é porque resolvi uma questão que lhe serve de referência: o que é o conhecimento? Da mesma forma, se for crente é porque confio na crença básica do crente: Deus existe. Se ouço uma música e dela usufruir, encontro-me em condições de descrever uma crença básica: o que é arte? Quando me dirijo a uma urna no sentido de votar, encontro neste ato uma pergunta básica: o que é a política? Numa situação de comportamento moral sei, ou devia saber, responder à pergunta: o que é o bem? O que é o mal?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ensaio argumentativo - Casamento Homossexual


1. Formulação do problema
Deve ser autorizado o casamento entre casais homossexuais?
2. Objectivo do Ensaio
Para vivermos em sociedade é importante o respeito pela diferença, mesmo ao nível sexual. Face ao crescente número de casais homossexuais que pretendem casar-se, torna-se necessário construirmos argumentos sólidos sobre esta questão. É um assunto que merece a máxima atenção pelo facto de originar exclusões sociais. 
3. Posições existentes. Argumentos prós e contras.
Contra:
Bíblia: «Não podes deitar-te com homem como com uma mulher; é uma abominação.»
A homossexualidade é contrária aos valores da família. A família tem o intuito de procriação.
É contrário à natureza.
A Homossexualidade é perversa e torna as pessoas perniciosas.

Prós:
O acto de amor não é diferente entre heterossexuais e homossexuais.
As pessoa têm todo o direito de procurar a sua própria felicidade.
A orientação sexual não é escolhida, é herdada.

4. A tese que se pretende defende
Sou a favor do casamento homossexual.

5.  Argumentos a favor da tese

A felicidade deve estar ao alcance de qualquer um, independentemente da orientação sexual.
Se a minha felicidade passar por amar alguém do mesmo sexo, então devo-me casar ou juntar-me a essa pessoa.
Desde que haja respeito na forma como demonstram o amor, não se vê problema na possibilidade de existir casamento.
O conceito de família deve mudar por que a procriação poderá não ser a única finalidade da sexualidade. Há comportamentos sexuais que não visam a procriação.


6. Objeções aos argumentos apresentados
O conceito de família não é algo que possa mudar.
A constituição de uma família tem como objectivo a perpetuação da espécie.
Ao permitir-se o casamento homossexual muitos outros casos irão aparecer.
Vai haver uma degradação gradual das sociedades.


7. Resposta às objeções
O casamento religioso é um valor sagrado, portanto deve estar imune a essas situações.
O conceito de família de facto mudou. Além de haver inúmeros casais que se juntam sem o objectivo de procriação.
Há cada vez mais famílias monoparentais o que reforça a ideia de mudança do paradigma de família.
A homossexualidade sempre existiu, o que sempre lhe esteve associada foi a vergonha e o medo.
A degradação social, ao longo da história, teve causas exteriores ao fenómeno sexual.
Admitimos que o casamento não seja religioso. Mas como simples contrato civil, parece não haver entraves.




quinta-feira, 6 de outubro de 2011

República III


Característica do republicanismo português

1º Pressuposto
COMO CONCILIAR A FILOSOFIA ORIGINALMENTE ANTI-LIBERAL E ANTI-DEMOCRÁTICA DO POSITIVISMO COM UM MOVIMENTO BURGUÊS QUE REIVINDICAVA A TRADIÇÃO DEMO-LIBERAL E A OBRA DA REVOLUÇÃO FRANCESA?
Uma solução foi construir um quadro centrado no positivismo francês juntamente com Mill, Spencer, Darwin…

- A solução foi a colagem ao heterodoxismo positivista de Littré.

Razões:
- A religiosidade difundida por Comte e Laffite para o positivismo. Para os liberais portugueses isso serviria para a afirmação de uma nova forma de religiosidade o que, em vez de servir de contestação à herança católica, degeneraria noutra forma religiosa que deixaria atrasar mais uns séculos o desenvolvimento da humanidade.
- De acordo com os estados positivistas, o clero estava situado no patamar teológico o que estaria sujeito à refutação face à dinâmica científica do estado positivo. Assim, o agnosticismo positivista legitimava a acção do movimento republicano contra o espírito teológico. O “porquê” seria substituído pelo “como”. O ponto de vista gnoseológico aliou-se ao ponto de vista ontológico na definição do ideário positivista.
- Contudo, o edifício demo-liberal exigia a afirmação do eu individual, fonte de liberdade. Pelo contrário, Comte rejeitava as esferas individuais. Ora, se o projecto positivista pressupunha negar o iluminismo e o consequente individualismo racionalista, por considerá-los posicionados no patamar metafísico da evolução, então os republicanos tinham um dilema: por um lado por uma questão de coerência doutrinária, tinham de comungar das ideias positivistas, por outro lado a sua base reivindicativa era demo-liberal e, por isso, afirmava a liberdade individual e o comércio livre
Positivismo dava garantias de lutar contra a ortodoxia eclesiástica e de afirmar a ideia de progresso.
A democracia demo-liberal dava garantias de lutar contra a monarquia.
É esta a posição de Teófilo Braga. Afirma a liberdade política, civil e filosófica contra a exclusividade positivista dada a esta última.
Ou seja, a prioridade da ideia republicana seria a afirmação do movimento político, focando a sua prioridade intelectual no problema do REGIME
Porquê? Porque a supremacia da ideia filosófica protagonizada por Comte não respondia aos desejos destes teorizadores, a saber, a mudança de regime. A função política seria determinante porque no organismo social todas as outras funções se subordinam a essa.
Que solução?
Conjugando o EVOLUCIONISMO DE SPENCER COM BIOLOGISMO SOCIOLÓGICO E O POSITIVISMO HETERODOXO.
EVOLUCIONSMO DE SPENCER: retêm a ideia da evolução de uma primitiva homogeneidade para uma actual heterogeneidade, provocando uma diferenciação dos órgãos sociais, embora relacionáveis entre si (casando este evolucionismo com o positivismo de Littré)
BIOLOGISMO SOCIOLÓGICO: a normalização social e adaptação ao meio justificavam-se pelas teses darwinistas. O todo social seria tão só motivador da evolução do TODO social (casando este biologismo com o positivismo).

Evolução ou Revolução?

Este foi outro dilema dos republicanos. Querendo protagonizar uma mudança radical no regime político e sabendo que sempre houve revoluções, queriam também não ir contra os ideários positivistas da ordem e do progresso. Assim, no caso de Teófilo, afirmava que a revolução inscrevia-se numa evolução geral, com a diferença de a revolução ser uma característica humana, ao passo que a evolução seria uma característica da permanente actualização do corpo natural. Estava assim alcançada a solução para o dilema inicial. Existem revoluções, mas estas, com o avanço do conhecimento científico, seriam facilmente esperadas e, por isso, evitáveis. Mais uma vez mostrava-se que a república seria o desenlace inevitável do progresso humano. Seria a cura do mal social inerente à existência de um regime que não dava resposta aos novos ventos de mudança. A sociedade era comparada a um organismo que, com as suas manifestações face às doenças, promoviam reacções para se encontrar uma fase de equilíbrio orgânico.

Economia

Legitimado pela pequena burguesia, o movimento republicano pugnava pela introdução de um sistema económico de base liberal. O equilíbrio social, referido atrás, encontrava guarida na promoção da livre iniciativa segundo a lei da concorrência vital. O equilíbrio social resultaria da luta entre os interesses privados. Esta era a opinião liberal contra a monarquia constitucional que defendia o grande capital.

O Iluminismo e o Positivismo heterodoxo

Segundo Fernando Catroga “enquanto a concepção do conhecimento racionalista se baseava num modelo platónico-matemático e apontava para uma atitude crítica e criadora face aos dados do senso comum, o positivismo, voltado para a fundamentação do conhecimento social, situava-se nos limites de um racionalismo naturalista e moderado, culminando, ao nível da sociologia, na apologética de um empirismo reprodutor dos interesses de classe que sobredeterminavam a sua leitura da realidade social.”[1] O racionalismo setecentista seria produto de uma dinâmica metafísica em luta contra o medievalismo que, devido ao facto de se enquadrar numa perspectiva especulativa, urgia superar. Se o objectivo era enaltecido, os meios utilizados eram repugnados face aos desenvolvimentos científicos de oitocentos. Apesar disto, o positivismo heterodoxo retomava a ilusão iluminista do nascimento de uma nova ordem política.

A moral republicana

Comte propunha uma ética altruísta que rejeitava qualquer fundamentação teológica, de acordo com um deus transcendente revelador da verdade, e de uma metafísica, que propunha a autonomia do indivíduo como fundamento ético. Para Comte a sociedade seria uma entidade ôntica auto-suficiente e o indivíduo uma simples abstracção. A comunidade dos eus diluía-se na autoridade social.
Os republicanos não seguiram estes preceitos, porquê?
*      A ética do positivismo tornava pouco própria para uma fundamentação de uma moral individual e social. Comte tinha de ser corrigido por uma moral mais individualista
Qual o recurso encontrado?
*      No utilitarismo inglês com reposições darwinistas e spencerianas.

O utilitarismo

Bentham e depois Mill advogavam o princípio do máximo prazer para o maior número de pessoas possível. Este Hedonismo pressupunha um egoísmo ingénito que levaria a uma harmonia com os seus semelhantes. A filantropia utilitária estaria inscrita nos indivíduos como seres naturalmente sociais. No entanto, esta filantropia não possuía um estatuto inata, devia ser cultivada a partir de uma reorganização do sistema educativo e das instituições políticas.

Darwin

Defendeu a existência de um instinto social como fundamento da conservação. O altruísmo dentro da espécie revela a verdadeira dimensão do filantropismo. A busca do prazer e a superação da dor seriam os alicerces da conduta humana e animal.

Teófilo Braga

v  O instinto da conservação radicava no egoísmo (utilitarismo);
v  No indivíduo encontra-se o instinto da solidariedade da espécie (Darwin);
v  Este altruísmo de espécie é consequência de uma evolução que resultou numa harmonia entre o egoísmo e o interesse da sociedade (positivismo heterodoxo).
v  A sistematização destes preceitos exigia um sistema educativo que revelasse as máximas produzidas pelos povos e uma coordenação correcta entre a vontade e a inteligência;
v  Elaboração de uma paideia que promovesse os ideais republicanos;
v  Com isto conseguir-se-ia uma liberdade individual e de iniciativa, uma sociedade laica e democrática e o abandono de todas as formas políticas degeneradoras.

Conceitos fundamentais: lei dos três estados, evolucionismo, ordem e progresso, positivismo heterodoxo, cientismo biológico-social, república demo-liberal



[1] Fernando Catroga, op cit, pp 7-8

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Exemplo de um pequeno ensaio argumentativo




Este ensaio foi baseado num artigo de opinião de Pacheco Pereira na Revista Sábado de 4/10/2011

                    1. Formulação do problema

  •  Devem os políticos ser profissionais?
                  2. Objectivo do Ensaio


  • Pelo número cada vez maior de exemplos de pessoas a ocupar cargos políticos, torna-se necessário questionar a pertinência do assunto e, acima de tudo, vislumbrar alguma vantagem. São pessoas que determinam decisivamente a vida das pessoa

                     2. Argumento a favor da profissionalização

            •Os defensores da profissionalização da política dizem que, apesar de tudo, há mais vantagens do que desvantagens. O exercício político, pelas exigências que vai tendo, necessita de dedicação exclusiva e de um conhecimento aprofundado na gestão da coisa pública.
          •Ao promover-se a profissionalização, permite-se construir um sistema transparente sem conflito de interesses entre a esfera pública e a esfera privada.
         •O políticos, tal como noutras atividades, devem possuir formação adequada para o exercício do poder.
          3. A tese que se pretende defender
As pessoas que ocupam cargos políticos não devem ser profissionais da política.
4. Argumentos a favor da tese
Quem ocupa cargos políticos deve conhecer a realidade.
Ao ser profissional, o político acaba de exercer o poder alheio ao que se passa.
Como não querem ser despedidos, pois não possuem outra profissão, os profissionais vão querer agradar para serem reeleitos.
Fomentarão esquemas de compadrio e perderão a capacidade de decisão individual.
Encarnam sempre os piores defeitos da vida política: manobras, sistemas de apoios, alianças nos sentido de manterem o poder.
4. Objeções aos argumentos apresentados
Actualmente a grande maioria dos políticos são oriundos da sociedade civil. Todas as manobras políticas que levam à manutenção do poder são utilizadas de igual forma.
Existe a chamada disciplina de voto dos partidos, o que demonstra que os políticos, embora não sejam profissionais, praticamente não são indivíduos com pensamento próprio.
Existe igualmente esquemas de obediência e compadrio.
5. Resposta às objeções
Actualmente a política e exercida praticamente como uma profissão.
É por tal motivo que os políticos promovem os mesmos mecanismos de manutenção do poder, como se fossem profissionais.
A independência de pensamento é importante na execução do poder. O importante é criar mecanismos de limitação de mandatos e clarificação de conflito de interesses.




terça-feira, 4 de outubro de 2011

Que tipo de coisas discutem os filósofos?

http://duvida-metodica.blogspot.com/2008/09/que-tipo-de-coisas-discutem-os-filsofos_864.html

República II


https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVoS7GRaBwsUPmruk_GaXVKLqSdD0LvrVG9Qss_z7wdq05HV_aeNlAJcxGcu2ozdd1PUgXWWBrEHg1t_eCFayYmK4qc3dP409sIyH9CUEwUNPUkkElkW43bgZQWPL6nkmW7lN4mjPMWPZ7/s1600/clara0018.jpg

O Positivismo de Littré


<   Ø Não deu como garantida a exclusividade da sociologia na explicação do fenómeno social. A Biologia, a par da antropologia darwinista, da Economia, da linguística e da História, trouxe uma urgente redefinição epistemológica. Littré tenta adequar estas novas temáticas à taxonomia positivista. Acrescente-se a influência de Mill que resfreou a impetuosidade do estatismo comteano com a afrimação do indivíduo, à boa maneira inglesa.
<   Ø Atento à afirmação de classes intermédias, Littré procurou retirar à burguesia abastada a hegemonia que Comte lhe havia dado. Assim criou vias para a afirmação do republicanismo burguês contra o monarquismo, o clericalismo e o revolucionarismo socialista.
    Ø  Inspirando-se na máxima Ordem e Progresso, Littré tentou justificar um republicanismo moderado, cujo desenlace se deu a III república francesa em 1870<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->, adequando o positivismo às necessidades da luta contra o monarquismo, o clericalismo e o socialismo revolucionário.

A importância do positivismo na consolidação do republicanismo


<   O positivismo, apesar da enorme importância que teve em Portugal, não fomentou qualquer unanimidade. De facto, houve pensadores que rejeitaram a ideia de se impor um positivismo em Portugal. Antero de Quental foi um deles. Apelidando o positivismo de jacobinismo demagógico, Antero considerava a aceitabilidade das teorias positivistas por parte de certa intelectualidade portuguesa como uma demonstração do simplismo como as teses de Comte estavam organizadas. Também Sampaio Bruno comungava desta ideia, acrescentando que esta simplicidade ia ao encontro da preguiça mental portuguesa.
<  
    Os positivistas tinham uma idêntica opinião no plano contrário, pois consideravam que o Positivismo requeria para a sua compreensão uma educação científica, o que o tornava inacessível para os intelectuais oriundos dos meios teológicos e metafísicos.
<  
     O partido Republicano (1873-1876)
Com uma base essencialmente pequeno-burguesa e, por isso, urbana, surgiu nos finais do século XIX o Partido Republicano. A cada vez mais precária situação do proletariado e a crise interna proveniente da transmutação do nosso capitalismo, promoveu a ascensão da pequena burguesia, constituída essencialmente por intelectuais oriundos de classes profissionais ligadas ao jornalismo à docência universitária e ao pequeno comércio.
<  
      1. Cultivo das ciências exactas nas escolas politécnicas e médicas e respectivo ataque ao espírito teológico.
<    A ideia configurada pela argumentação positivista da inevitabilidade da positividade. A teoria antecipa a sua veracidade.
     2. Despertar político e ânsia de poder das classes médias sobretudo da pequena burguesia face à fraqueza social do proletariado e à crise interna resultante da crise do nosso capitalismo industrialista.
Com a guerra da Patuleia[2], o liberalismo mais progressista sai derrotado, promovendo-se um poder exercido pela lata burguesia bancária e comercial e pelos grandes senhores agrários. Por conseguinte, o desenvolvimento não passou por uma dinâmica industrial. Conjugou-se simplesmente as vontades destas classes. Por este motivo, não é descabido falarmos numa defesa das classes intermédias por parte do republicanismo através da defesa de um mercado liberal, concordante com o darwinismo.


[1] Depois da deposição de Napoleão III e da derrota francesa na guerra franco-prussiana. Durou até 1940.
[2] Guerra civil após a revolução de Maria da Fonte. Durou oito meses opondo os cartista com o apoio da rainha D. Maria II a uma coligação entre setembristas e miguelistas.


República I


Pressupostos filosóficos do republicanismo[1]


O enquadramento social do positivismo


Perante os seguintes acontecimentos:
v  Contradições geradas no seio da sociedade oitocentista pós-revolucionária.
v  Estas contradições mostraram que a realidade social era mutável, análoga à fenomenalidade natural e, portanto, passível de ser experimentada.
v  Permanente mudança nas relações de produção capitalista.
Fomentou-se a ideia de que as concepções filosóficas e religiosas das sociedades pré-industriais, não conseguiam responder aos novos tempos.
- A cidade grega encontrou o seu fundamento numa metafísica do inteligível.
- A Idade Média hierarquizou-se socialmente segundo uma concepção teocêntrica.
- A Idade Moderna atomizou o indivíduo, separando-o de Deus e dos outros homens.
- A sociedade industrial, desdivinizada, procurou explicar a realidade social através de critérios positivistas, de modo a controlar racionalmente o destino individual e social.

Comte inscreve-se nesta vertente conservadora. O seu propósito será o de interpretar a sociedade e, com isso, consolidar o progresso e evitar a revolução
Ø  Para Comte, depois dos desenvolvimentos protagonizados pela Física, Biologia e Química, seria possível ao ser humano debruçar-se sobre questões mais complexas do Ser: os fenómenos sociais.
Ø  Estes fenómenos eram considerados complexos máximos e mínimos generalistas, segundo a diferenciação ontológica de Comte (para Comte, a realidade hierarquizava-se de acordo com os conceitos de generalidade e complexidade. Os menos complexos e os mais gerais pertenceriam à Matemática e os mais complexos e menos gerais pertencem à Sociologia).
Ø  A esta hierarquia ontológica correspondia uma hierarquia histórica e epistemológica. A “evolução do espírito caminhava para a plena positividade através da crescente cientificação das esferas do ser numa ordem histórica que ia das ciências mais gerais e menos complexas para as últimas ciências - a Sociologia.”[2]
Ø  Esta ciência apelidava-se de Física Social.
Ø  Estava assim encontrada a legitimação doutrinária da classe social dominante. O capitalismo que pugnava era um capitalismo pós-concorrencial. Aqui, o estado funcionaria como vigilante e interventor sobre as propriedades que não desempenhassem uma função social produtiva.
Ø  Por isso desenvolve a noção de Estática Social. Contrariamente à ideia metafísica de progresso a partir do conflito, Comte desenvolve a ideia de progresso através da ordem (daí a bandeira brasileira). Este conceito promoveu a ideia de Comte quanto às estruturas que melhor determinam a ordem : Estado, Família Monogâmica e Patriarcal e a Propriedade Privada.
Ø  O PODER: O exercício do poder devia ser legitimado pela capacidade científica e industrial, devendo o poder espiritual pertencer aos portadores do saber: Os filósofos positivistas.
Ø  Este poder seria exercido de um modo centralizado e o respectivo Estado devia ser intervencionista e ditatorial. O indivíduo seria uma expressão abstracta, na medida em que o social predominava. No estatuto social só a família, inicialmente, e o Estado, depois, possuíam dignidade.
Ø  Estava assim encontrada uma forma de justificar a legitimidade do poder da grande burguesia e de evitar as querelas entre facções e a consequente revolução.

O Positivismo de Littré


Ø  Não deu como garantida a exclusividade da sociologia na explicação do fenómeno social. A Biologia, a par da antropologia darwinista, da Economia, da linguística e da História, trouxe uma urgente redefinição epistemológica. Littré tenta adequar estas novas temáticas à taxonomia positivista. Acrescente-se a influência de Mill que resfreou a impetuosidade do estatismo comteano com a afrimação do indivíduo, à boa maneira inglesa.
Ø  Atento à afirmação de classes intermédias, Littré procurou retirar à burguesia abastada a hegemonia que Comte lhe havia dado. Assim criou vias para a afirmação do republicanismo burguês contra o monarquismo, o clericalismo e o revolucionarismo socialista.
Ø  Inspirando-se na máxima Ordem e Progresso, Littré tentou justificar um republicanismo moderado, cujo desenlace se deu a III república francesa em 1870[3], adequando o positivismo às necessidades da luta contra o monarquismo, o clericalismo e o socialismo revolucionário.


[1]Ver Fernando Catroga, «A importância do Positivismo na consolidação da ideologia republicana em Portugal, in Biblos, 53, 1977 e «inícios do positivismo em Portugal» in Revista História das Ideias, vol.1.
[2] Fernando Catroga, , pág. «A importância do Positivismo na consolidação da ideologia republicana em Portugal, in Biblos, 53, 1977, pág. 12
[3] Depois da deposição de Napoleão III e da derrota francesa na guerra franco-prussiana. Durou até 1940.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011



A filosofia como actividade exige de nós uma postura de abertura face àquilo que nos é apresentado. Por esse motivo, ao aprendiz de filósofo incumbe-lhe descortinar caminhos. Para tal, é necessário ser corajoso. Sim, corajoso.
Na medida em que a curiosidade é-nos conatural, todos nós possuímos uma aptidão para questionarmos a realidade, seja ela qual for. Por que razão não o fazemos? Essencialmente por receio. Deste modo, é importante que os estudantes de filosofia comecem a pensar de modo mais assertivo. Depois de ultrapassar esta primeira fase, descobre-se respostas, emergem novas questões. É um exercício tipo quebra cabeças. O mais difícil é começar, depois nada nos demove no prazer da autodescoberta.

Face a um desenho animado como Os Três Porquinhos, é evidente a necessidade de interrogar as várias cenas com que somos presenteados: o que representa o Lobo? Qual a relação entre as características de cada casa e as personalidades dos porquinhos? O que representam as casas?

Estamos entrar no jogo:
O Lobo é mau? Ou o Lobo está em nós? Não será o lobo a expressão dos nossos medos?
Por que razão os porquinhos têm diferentes protagonismos? haverá alguma conexão entre o prazer, o divertimento e a realidade; entre o princípio do prazer, do imediato e o princípio da realidade? Esta realidade é-nos imposta ou corresponde ao modo como cada um de nós a encara?

Introdução à Lógica



Durante o 10º ano fizemos um percurso que nos demonstrou que a filosofia, além do seu conteúdo crítico e atento ao mundo, também deve ser consequente. Neste sentido, a lógica, enquanto ciência que se debruça sobre os princípios fundamentais do pensamento, procura os argumentos válidos. Como a filosofia é uma actividade essencialmente argumentativa, então o estudo dos argumentos válidos reveste-se de primordial importância.
O que é um argumento válido? O que é um argumento?
No nosso quotidiano utilizamos muitas vezes a expressão «isso não tem lógica» para designar algum pensamento que, à partida, entra em litígio com aquilo que consideramos correto em termos de pensamento: não posso afirmar e simultaneamente negar esse algo. Portanto, estamos atentos ao modo como os nossos interlocutores executam a nobre tarefa de raciocinar, utilizando um conjunto de frases que se interligam no sentido de atingir uma conclusão:

Um sistema político é importante para a sobrevivência da humanidade. A democracia é um sistema político. logo, é importante para a sobrevivência da humanidade.

Este argumento possui um conjunto de frases que são anteriores à conclusão «logo, é importante para a sobrevivência da humanidade». Essas frases designam-se de premissas: «Um sistema político é importante para a sobrevivência da humanidade» e «A democracia é um sistema político».

Exercícios:
Identifique as premissas e as conclusões dos seguintes argumentos:
1. A água é H2O e o mar é constituído por água. Logo o mar é H2O.
2. A natureza é bela porque alguém a criou e a beleza é um acto de criação.
3. A pena de morte é ilegítima, pois não se deve causar a morte a um ser humano em circunstância alguma.

domingo, 7 de agosto de 2011

Eça e o Riso

« Eu penso que o riso acabou - porque a humanidade entristeceu. E entristeceu - por causa da sua imensa civilização. O único homem sobre a Terra que ainda solta a feliz risada primitiva é o negro, na África. Quanto mais uma sociedade é culta - mais a sua face é triste. Foi a enorme civilização que nós criámos nestes derradeiros oitenta anos, a civilização material, a política, a económica, a social, a literária, a artística que matou o nosso riso, como o desejo de reinar e os trabalhos sangrentos em que se envolveu para o satisfazer mataram o sono de Lady MacBeth. Tanto complicámos a nossa existência social, que a Acção, no meio dela, pelo esforço prodigioso que reclama, se tornou uma dor grande: - e tanto complicámos a nossa vida moral, para a fazer mais consciente, que o pensamento, no meio dela, pela confusão em que se debate, se tornou uma dor maior. O homem de acção e de pensamento, hoje, está implacavelmente votado à melancolia.
Este pobre homem de acção, que todas as manhãs, ao acordar, sente dentro em si acordar também o amargo cuidado do pão a adquirir, da situação social a manter, da concorrência a repelir, da «íngreme escada a trepar», poderá porventura afrontar o Sol com singela alegria? Não. Entre ele e o Sol está o negro cuidado, que lhe estende uma sombra na face, lhe mata nela, como a sombra sempre faz às flores, a flor de todo o riso. Por outro lado o homem de pensamento que constantemente, pelo fatalismo da educação científica e crítica, busca as realidades através das aparências, e que no céu só vê uma complicada combinação de gases, e que na alma só descobre uma grosseira função de órgãos, e que sabe que porção de fosfato de cal entra em toda a lágrima, e que diante de dois olhos resplandecentes de amor pensa nos dois buracos da caveira que estão por trás, e que a todo o sacrifício heróico penetra logo o motivo egoísta, e que caminha sempre à procura da lei estável e eterna, e que a cada passo perde um sonho, e que por fim não sabe para onde vai, e nem mesmo sabe quem é - não pode ser senão um triste! 
Desde que homem de acção e homem de pensamento são paralelamente tristes - o mundo, que é sua obra, só pode mostrar tristeza. Tristeza na sua literatura, tristeza na sua sociedade, tristeza nas suas festas, tristeza nos fatos negros de que se veste... Tristeza dentro de si, tristeza fora de si. E quando por acaso alguém por profissão tradicional, como os palhaços, ou por contraste, ou pela saudade da antiga alegria e o desejo de a ressuscitar, procura fazer rir este mundo - só lhe consegue arrancar a tal casquinada curta, áspera, rangente, quase dolorosa, que parece resultar de cócegas feitas nos pés de um doente. 
Não há que duvidar! Voltaram os tempo de Albert Durer! Outra vez o famoso moço de asas potentes, no meio dos inumeráveis instrumentos das ciências e das artes, que atulham o seu laboratório, e diante das obras colossais, que com eles construiu, sente, sob esta produção excessiva que o não tornou nem melhor nem mais feliz, um imenso desalento, e, considerando a inutilidade de tudo, de novo deixa pender sobre as mãos a testa coroada de louro. 
Pobre moço, que, de muito trabalhar sobre o universo e sobre ti próprio, perdeste a simplicidade e com ela o riso, queres um humilde conselho? Abandona o teu laboratório, reentra na Natureza, não te compliques com tantas máquinas, não te subtilizes em tantas análises, vive uma boa vida de pai próvido que amanha a terra, e reconquistarás, com a saúde e com a liberdade, o dom augusto de rir. 
Mas como pode escutar estes conselhos de sapiência um desgraçado que tem, nos poucos anos que ainda restam de século, de descobrir o problema da comunicação interastral, e de assentar sobre bases seguras todas as ciências psíquicas? 
O infeliz está votado ao bocejar infinito. E tem por única consolação que os jornais lhe chamem e que ele se chame a si próprio - o Grande Civilizado. »
Eça de Queiroz, «A Decadência do Riso», Gazeta de Notícias (1891)'  do Riso», in Gazeta de Notícias (1891)' 

sábado, 16 de julho de 2011

Depois do romantismo: A questão do «Bom Senso e do Bom Gosto» - Questão Coimbrã


A questão do «Bom Senso e do Bom Gosto» - Questão Coimbrã


- Caracterizou-se por uma guerra de folhetos e folhetins entre Antero e António Feliciano de Castilho e António Pinheiro Chagas. Com um fundo predominantemente ideológico, esta questão promoveu ventos de mudança estéticos. Possivelmente influenciado pelo palavroso romantismo piegas, o realismo começa por caracterizar-se por uma defesa pela linguagem simples. Se o realismo está presente em Eça, já Antero envereda por um transcendentalismo. É aliás este aspecto de Antero que os ultra-românticos acusam.

Os argumentos ideológicos

Os grandes aspectos da intervenção intelectual de Coimbra ficaram-se mais a dever a factores ideológicos e políticos do que por factores estéticos, a saber:
*      O problema da comunicação
*      A questão dos modelos doutrinários
*      As necessidades morais e intelectuais do público a que não é alheia o ruralismo e o analfabetismo imperante.
*      O estatuto do intelectual, dependente do poder e da pouco numerosa burguesia letrada.
*      A sua independência face ao público
*      A escolha das prioridades intelectuais
*      A reforma da universidade
*      Fundamento do espírito crítico
*      Reforma mental contra a burocratização do intelectual

Significado da Geração de 70


- Projecto de síntese e de mudança nacional e europeu;
- Discussão despreconceituosa, racional;
- Abertura a novas experiências estéticas;
- Regeneração total do país (económica, cultural e política); «reaportuguesamento»

Causas formais:

Geração de Coimbra contra o:
·         Romantismo Piegas;
·         Classicismo Retórico (verdade, Belo, Bem) – (filosofia da Regeneração);
·         Descrença na possibilidade de se alcançarem as reformas sociais e políticas através das vias institucionais;
·         Constatação da crescente institucionalização e burocratização do artista através da atribuição de cargos públicos[1];

Causas materiais:

·         Revolução abortada das patuleias (1846-1847). Guerra civil ganha pela facção de D. Maria II (cartistas). Os cartistas tornam-se posteriormente no Partido Regenerador, tendo-se afirmado como um partido conservador que defendia a monarquia constitucional.
·         O pré-industrialismo das políticas de Fontes Pereira de Melo – da política do transporte - e as reacções de D. Pedro V a este estado de pragmatismo burguês e o consequente parasitismo económico.
·         A falência cultural portuguesa: a sociedade portuguesa caracterizava-se por uma imitação grotesca da cultura europeia. O tédio tornou-se um sentimento generalizado da sociedade portuguesa e invadia o espírito de tudo e de todos.

Causas intelectuais:


Face a este quadro, a descrença na transformação do país levou muitos intelectuais a vincularem-se a correntes do pensamento que se difundiam por toda a Europa.
·         - Numa primeira fase, simpatia com o socialismo utópico de Saint-Simon, Fourier, Proudhom.

·     - Defesa de um ponto de vista evolutivo contra a degenerescência romântica de António Feliciano Castilho.
·         - Difusão das primeiras ideia republicanas (fundação do jornal A República em 1948).
·        - Numa segunda fase, idealização de uma aristocracia iluminada, contraponto a um socialismo utópico. Coincide com a fase da ironia queirosiana. Este período corresponde à máxima «vencidos da vida».

Como se caracteriza?

·        - Idealismo céptico. Cepticismo fin-de-siècle do pós-romantismo europeu; idealistas por que convictos do poder absoluto das ideias face ao mundo.
·        - Sentido revolucionário do tempo: acto de esquecimento do passado e promoção da ideia de fim da história.
·         - Movimento niilista: esquece a própria memória, negação do Estado como memória da nação, negação da igreja como negação da alma, o partido como memória de classe.
·        -  Renovação nos métodos da interpretação histórico – literária;
·        -  Germanização coimbrã como resposta à constatação de carências educativas;
·         Instauração de um espírito crítico;
·      - Para Antero a tragédia (futuro) é a marca, o trágico (passado) predomina em Oliveira Martins e o cómico (presente) em Eça.[2]

O que pretendiam?

·         Reforma mental;
·      - Corresponder às necessidades morais e intelectuais do público (revolução vintista);
·       - Acertar o passo com a Europa, no sentido civilizacional;
·        - Novos modelos doutrinários;
·        -  Independência intelectual;
·         - Reformas das Universidades.
·     - Repensar e pôr em questão toda a cultura portuguesa desde as suas origens, fixando-se no ponto mais elevado e também mais complexo da história de Portugal, isto é, o período das descobertas.
·   - Promover activamente uma transformação profunda na ideóloga política e na estrutura social portuguesas, preparando a revolução republicana de 1910.


[1] Ideias retiradas de Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70, Círculo de Leitores, 1987.

[2] Ideias retiradas de Álvaro Machado, A Geração de 70 – Uma Revolução Cultural e Literária, Biblioteca Breve, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1986.