quinta-feira, 6 de outubro de 2011

República III


Característica do republicanismo português

1º Pressuposto
COMO CONCILIAR A FILOSOFIA ORIGINALMENTE ANTI-LIBERAL E ANTI-DEMOCRÁTICA DO POSITIVISMO COM UM MOVIMENTO BURGUÊS QUE REIVINDICAVA A TRADIÇÃO DEMO-LIBERAL E A OBRA DA REVOLUÇÃO FRANCESA?
Uma solução foi construir um quadro centrado no positivismo francês juntamente com Mill, Spencer, Darwin…

- A solução foi a colagem ao heterodoxismo positivista de Littré.

Razões:
- A religiosidade difundida por Comte e Laffite para o positivismo. Para os liberais portugueses isso serviria para a afirmação de uma nova forma de religiosidade o que, em vez de servir de contestação à herança católica, degeneraria noutra forma religiosa que deixaria atrasar mais uns séculos o desenvolvimento da humanidade.
- De acordo com os estados positivistas, o clero estava situado no patamar teológico o que estaria sujeito à refutação face à dinâmica científica do estado positivo. Assim, o agnosticismo positivista legitimava a acção do movimento republicano contra o espírito teológico. O “porquê” seria substituído pelo “como”. O ponto de vista gnoseológico aliou-se ao ponto de vista ontológico na definição do ideário positivista.
- Contudo, o edifício demo-liberal exigia a afirmação do eu individual, fonte de liberdade. Pelo contrário, Comte rejeitava as esferas individuais. Ora, se o projecto positivista pressupunha negar o iluminismo e o consequente individualismo racionalista, por considerá-los posicionados no patamar metafísico da evolução, então os republicanos tinham um dilema: por um lado por uma questão de coerência doutrinária, tinham de comungar das ideias positivistas, por outro lado a sua base reivindicativa era demo-liberal e, por isso, afirmava a liberdade individual e o comércio livre
Positivismo dava garantias de lutar contra a ortodoxia eclesiástica e de afirmar a ideia de progresso.
A democracia demo-liberal dava garantias de lutar contra a monarquia.
É esta a posição de Teófilo Braga. Afirma a liberdade política, civil e filosófica contra a exclusividade positivista dada a esta última.
Ou seja, a prioridade da ideia republicana seria a afirmação do movimento político, focando a sua prioridade intelectual no problema do REGIME
Porquê? Porque a supremacia da ideia filosófica protagonizada por Comte não respondia aos desejos destes teorizadores, a saber, a mudança de regime. A função política seria determinante porque no organismo social todas as outras funções se subordinam a essa.
Que solução?
Conjugando o EVOLUCIONISMO DE SPENCER COM BIOLOGISMO SOCIOLÓGICO E O POSITIVISMO HETERODOXO.
EVOLUCIONSMO DE SPENCER: retêm a ideia da evolução de uma primitiva homogeneidade para uma actual heterogeneidade, provocando uma diferenciação dos órgãos sociais, embora relacionáveis entre si (casando este evolucionismo com o positivismo de Littré)
BIOLOGISMO SOCIOLÓGICO: a normalização social e adaptação ao meio justificavam-se pelas teses darwinistas. O todo social seria tão só motivador da evolução do TODO social (casando este biologismo com o positivismo).

Evolução ou Revolução?

Este foi outro dilema dos republicanos. Querendo protagonizar uma mudança radical no regime político e sabendo que sempre houve revoluções, queriam também não ir contra os ideários positivistas da ordem e do progresso. Assim, no caso de Teófilo, afirmava que a revolução inscrevia-se numa evolução geral, com a diferença de a revolução ser uma característica humana, ao passo que a evolução seria uma característica da permanente actualização do corpo natural. Estava assim alcançada a solução para o dilema inicial. Existem revoluções, mas estas, com o avanço do conhecimento científico, seriam facilmente esperadas e, por isso, evitáveis. Mais uma vez mostrava-se que a república seria o desenlace inevitável do progresso humano. Seria a cura do mal social inerente à existência de um regime que não dava resposta aos novos ventos de mudança. A sociedade era comparada a um organismo que, com as suas manifestações face às doenças, promoviam reacções para se encontrar uma fase de equilíbrio orgânico.

Economia

Legitimado pela pequena burguesia, o movimento republicano pugnava pela introdução de um sistema económico de base liberal. O equilíbrio social, referido atrás, encontrava guarida na promoção da livre iniciativa segundo a lei da concorrência vital. O equilíbrio social resultaria da luta entre os interesses privados. Esta era a opinião liberal contra a monarquia constitucional que defendia o grande capital.

O Iluminismo e o Positivismo heterodoxo

Segundo Fernando Catroga “enquanto a concepção do conhecimento racionalista se baseava num modelo platónico-matemático e apontava para uma atitude crítica e criadora face aos dados do senso comum, o positivismo, voltado para a fundamentação do conhecimento social, situava-se nos limites de um racionalismo naturalista e moderado, culminando, ao nível da sociologia, na apologética de um empirismo reprodutor dos interesses de classe que sobredeterminavam a sua leitura da realidade social.”[1] O racionalismo setecentista seria produto de uma dinâmica metafísica em luta contra o medievalismo que, devido ao facto de se enquadrar numa perspectiva especulativa, urgia superar. Se o objectivo era enaltecido, os meios utilizados eram repugnados face aos desenvolvimentos científicos de oitocentos. Apesar disto, o positivismo heterodoxo retomava a ilusão iluminista do nascimento de uma nova ordem política.

A moral republicana

Comte propunha uma ética altruísta que rejeitava qualquer fundamentação teológica, de acordo com um deus transcendente revelador da verdade, e de uma metafísica, que propunha a autonomia do indivíduo como fundamento ético. Para Comte a sociedade seria uma entidade ôntica auto-suficiente e o indivíduo uma simples abstracção. A comunidade dos eus diluía-se na autoridade social.
Os republicanos não seguiram estes preceitos, porquê?
*      A ética do positivismo tornava pouco própria para uma fundamentação de uma moral individual e social. Comte tinha de ser corrigido por uma moral mais individualista
Qual o recurso encontrado?
*      No utilitarismo inglês com reposições darwinistas e spencerianas.

O utilitarismo

Bentham e depois Mill advogavam o princípio do máximo prazer para o maior número de pessoas possível. Este Hedonismo pressupunha um egoísmo ingénito que levaria a uma harmonia com os seus semelhantes. A filantropia utilitária estaria inscrita nos indivíduos como seres naturalmente sociais. No entanto, esta filantropia não possuía um estatuto inata, devia ser cultivada a partir de uma reorganização do sistema educativo e das instituições políticas.

Darwin

Defendeu a existência de um instinto social como fundamento da conservação. O altruísmo dentro da espécie revela a verdadeira dimensão do filantropismo. A busca do prazer e a superação da dor seriam os alicerces da conduta humana e animal.

Teófilo Braga

v  O instinto da conservação radicava no egoísmo (utilitarismo);
v  No indivíduo encontra-se o instinto da solidariedade da espécie (Darwin);
v  Este altruísmo de espécie é consequência de uma evolução que resultou numa harmonia entre o egoísmo e o interesse da sociedade (positivismo heterodoxo).
v  A sistematização destes preceitos exigia um sistema educativo que revelasse as máximas produzidas pelos povos e uma coordenação correcta entre a vontade e a inteligência;
v  Elaboração de uma paideia que promovesse os ideais republicanos;
v  Com isto conseguir-se-ia uma liberdade individual e de iniciativa, uma sociedade laica e democrática e o abandono de todas as formas políticas degeneradoras.

Conceitos fundamentais: lei dos três estados, evolucionismo, ordem e progresso, positivismo heterodoxo, cientismo biológico-social, república demo-liberal



[1] Fernando Catroga, op cit, pp 7-8

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