Numa época
onde as novidades tecnológicas prometem aumentar, e já em alguns casos aumentam
significativamente, a longevidade humana, torna-se fundamental pensar nas suas
consequências. Assim, colocam-se não só questões relacionadas com a definição
de padrões de qualidade da vida prolongada até ao extremo, como também
dificuldades no âmbito da governação e sustentabilidade sócio-económica de
sociedades mais envelhecidas. Devemos ainda acrescentar as consequências do
acesso desigual aos produtos biotecnológicos destinados a aumentar a
longevidade humana. Vislumbra-se os indivíduos a fazer as suas próprias opções no
que à vida diz respeito, promovendo os seus corpos numa corrida contra o tempo.
Por este motivo, uma questão se apresenta:
Será o
prolongamento da vida intrinsecamente bom?
Podemos
designar o prolongamento da vida de duas formas. Por um lado poder-se-á
entender como uma forma de prolongar a partir de uma existência em si frágil;
por outro lado uma forma de alargar a esperança de vida em virtude do avanço
tecnológico e científico. Estas duas situações são hoje em dia existentes. A
resposta à segunda pergunta parece ser inevitável. É óbvio que todos gostam de
prolongar a sua vida. Há em todos os sectores da sociedade uma inclinação
natural para a necessidade de prolongar a vida. A morte é o desconhecido pelo
que resulta em nós uma atitude de a não aceitar. Fica pois claro o nosso
primeiro argumento:
Se todo o
ser humano procura viver, então a vida é boa. Se a vida é boa, deve-se
prolongá-la. Logo, se o ser humano procura viver, então deve-se prolongar a
vida.
Desde logo,
a primeira premissa não parece muito sustentável. O facto de todo o ser humano
procurar viver não implica que a vida seja boa. Podemos dar inúmeros exemplos
de pessoas que pretenderam viver mas em condições não muito adequadas. O mero
desejo de viver justifica o prolongamento da vida? Penso que não, se partirmos
do pressuposto que prolongar a vida significa aumentar a duração do corpo a
partir das inovações biotecnológicas. Ora, este mero aumento sem uma
correlativa preocupação pela qualidade de vida poderá trazer-nos questões
particularmente inquietantes. Valerá a pena viver com um corpo saudável e
simultaneamente com uma degradação contínua das capacidades mentais? Sem estas
últimas, creio, não estarem reunidas as condições de uma vida digna,
tornando-se imperativo o repensar sobre a eutanásia. Contudo, na eutanásia
ativa coloca-se a questão sobre a possibilidade da pessoas terem a capacidade
de decidir sobre a sua morte. Portanto, o que adianta prolongar a vida sem a
adequada saúde mental? Não me parece questionável afirmar que uma vida sem a
clarividência da consciência não merece ser vivida, quer para o paciente, quer
para as pessoas que com ele privam.
Estamos perante outra questão: Só a
vida digna merece ser vivida?
O cerne deste problema encontra-se na
noção de dignidade, conceito que mereceu da parte de muitos uma especial
atenção. A ideia comum a todos que reflectiram sobre este conceito remete-nos
para a ideia de racionalidade. Só as pessoas possuidoras desta faculdade
poderão manter a vida porque ela é digna de, assim, ser vivida. Ora, não é
necessário grande reflexão para colocarmos em causa este pressuposto. Uma
criança não possui a racionalidade de um adulto, mas merece viver e a sua vida
é digna, assim como uma qualquer pessoa que tenha nascido ou adquirido
problemas de capacidade racional merece viver e a sua vida também é digna.
Contudo, parece-nos que a pertinência desta reflexão está no prolongamento
artificial da vida humana. Aqui talvez resida o foco deste ensaio.
De imediato deve colocar-se a dúvida
acerca do que é artificial ou natural. Não será a vida humana naturalmente
artificial?
Praticamente que todas as dimensões
da vida são artificiais. O aumento da esperança de vida é resultado da evolução
do conhecimento científico, dos meios de diagnóstico e de intervenção. Se
acrescentarmos o desenvolvimento das células estaminais é possível que o prolongamento
médio da vida para lá dos cem anos seja perfeitamente alcançável nos próximos
anos. A existência humana resume-se à tentativa de se distinguir da natureza
levando-a a construir uma realidade puramente humana. Assim sendo, pensarmos no
prolongamento da vida não só é expectável como inevitável. Portanto, em vez de
pensarmos sobre se é correto prolongar a vida a pergunta urgente é que
consequências haverá desta inevitabilidade?
Devemos distinguir qualidade de vida e
a sua duração. A duração implica qualidade de vida, considerando esta a posse
de todas as capacidades que confiram ao ser humano um existência de conforto,
de reflexão e de segurança e também de prazer. Convenhamos que o prolongamento
da vida sem este pressuposto não será de todo conveniente, quer de um ponto de
vista pessoal, quer social. As mudanças demográficas nas nossas sociedades
crescentemente constituídas por pessoas envelhecidas colocarão em causa a
sustentabilidade dos sistemas de segurança social assim como as diversas formas
de governabilidade e substituição geracional, já para não esquecermos as
alterações nas formas tradicionais de família.
Se estas
últimas perplexidades necessitam de uma estratégia urgente, porquanto são
inevitáveis, já a relação entre a qualidade de vida e a duração, será de
pertinente reflexão: Será o prolongamento da vida um direito absoluto? Isto é,
será prolongamento da vida um direito incondicional, independentemente das
circunstâncias de cada um? A nossa resposta é claramente não. O nosso argumento
pode ser sintetizado de seguinte forma: Praticamente todos os humanos têm
direito ao prolongamento de vida. O prolongamento da vida justifica-se em
condições em que não existe uma situação de sofrimento atroz e de
irreversibilidade. Logo, o prolongamento da vida não é um direito absoluto,
nomeadamente quando nem sempre é do interesse do paciente prolongar a vida.
Pedro Daniel Lourenço Pereira
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