terça-feira, 20 de julho de 2021

Série Textos de alunos: Para uma Defesa da Liberdade de Expressão

 

O objetivo de qualquer sociedade evoluída, civilizada e de mente aberta é garantir a felicidade das pessoas que dela fazem parte. E não existe nada mais importante para a felicidade de alguém que a liberdade. Muitas vezes para sermos felizes é mais importante podermos fazer algo do que fazermos algo. Eu, uma pessoa que adora ler livros no seu tempo livre, detesto quando sou obrigado a fazê-lo no âmbito da escola, mesmo que o livro que sou forçado a ler seja aquele que eu iria ler no meu tempo livre, pois a felicidade que o meu livre arbítrio me proporciona sobrepõe-se à felicidade que a leitura de qualquer livro me possa dar. Assim, a liberdade está diretamente relacionada com a felicidade, e por isso mesmo é um pilar fundamental das culturas mais evoluídas.

Sabendo que a liberdade pode tomar várias formas diferentes, neste texto vou defender um tipo específico de liberdade, a de expressão. Por vários motivos, que passo a explicar a seguir, a liberdade de expressão deve ser (quase) total. Introduzo a palavra "quase" entre parênteses pois existe uma exceção muito específica para esta liberdade, que acontece quando a segurança física de uma ou várias pessoas é colocada em risco. Se me encontrar no meio duma multidão, por exemplo, devo ser proibido de gritar "BOMBA" ou "INCÊNDIO", pois corro o risco de lançar o pânico e possivelmente causar feridos. Mas tirando este tipo de exceções muito específicas, a liberdade de expressão deve ser total.

Devo começar por afirmar que a liberdade de expressão é condição necessária (mas não suficiente, obviamente) para que exista democracia. Se fizermos parte de um país que utilize as eleições como método de eleger os seus líderes ou representantes mas não houver liberdade para que cada pessoa defenda as suas ideias e opiniões, então não estamos perante uma democracia, pois esta presume que quem tem o poder é o povo (demos – palavra para “povo” em latim e kratos – palavra para “poder/forma de governo” em latim juntaram-se para formar a palavra demokratia – palavra para “democracia” em latim), e se uma pessoa é influenciada e manipulada através da opressão e da censura a votar em alguém, sem ter acesso a ideias e opiniões diferentes e a críticas relativamente à forma de governação vigente, deixa de poder tomar uma decisão livre e informada e por isso deixa de ter qualquer poder na escolha dos seus líderes ou representantes, logo não se pode afirmar que viva numa democracia. E não será polémico afirmar que qualquer país que, neste momento, não seja gerido de forma democrática, deverá ser considerado sub-desenvolvido, injusto e imoral.

Passando da democracia para uma perspetiva mais geral, é importante perceber que, no fim, quem sai sempre prejudicado com as limitações da liberdade de expressão são os menos poderosos, mesmo que estas limitações tenham o objetivo de os proteger. Olhemos para o bullying, um problema muito atual e relevante. Há quem defenda que este deve ser combatido com a censura de palavras ou expressões consideradas desrespeitosas, violentas, agressivas... Mas quem é que iria beneficiar com isso? Quem pratica o bullying, e que, neste exemplo, se encontra numa posição de poder, iria, provavelmente, arranjar soluções mais criativas e disfarçadas de "torturar" as suas vítimas. Já as vítimas, que continuariam a sofrer com o bullying, teriam mais medo e mais vergonha em pedir ajuda, por se encontrarem num "regime" opressivo e de censura. Quem tem mais poder tem sempre vantagem a contornar a censura enquanto alguém com menos poder terá sempre desvantagem, pois a possibilidade das pessoas menos poderosas se exprimirem livremente é uma das maiores armas que estas mesmas pessoas têm para combater as injustiças que passam diariamente.

Para além disto tudo, ainda existe outro problema com as limitações à liberdade de expressão, que é o de estas, tal como as limitações a qualquer outra liberdade, funcionarem como uma bola de neve.

A seguir a «pandemia» e «confinamento», a expressão que mais deve ter entrado no vocabulário das pessoas no último ano foi cancel culture (cultura do cancelamento). Esta cultura começou como uma forma de justiça social e de luta contra o poder através das redes sociais, como o Me Too, que expôs uma série de pessoas famosas que atuavam como agressores sexuais, mas que nunca eram apanhados devido à rede de influências e poder que estava instalada. Aqui, e como é possível observar, a liberdade de expressão teve um efeito positivo na sociedade e funcionou como uma forma de dar poder aos menos poderosos. Só que esta cultura, que no início celebrava a liberdade de expressão, começou a tentar limitá-la. Inicialmente, algumas pessoas podem considerar que estas limitações tiveram efeitos positivos, pois permitiram retirar protagonismo e limitar a expressão de pessoas que proferiam afirmações racistas, homofóbicas, etc.. Mas como seria de esperar, mesmo que por bons motivos, as limitações à liberdade de expressão funcionam como uma bola de neve e não tardou muito para se começar a tentar cancelar coisas como opiniões políticas, músicas, piadas e basicamente tudo o que saísse do que esta cultura considerasse aceitável. Muitos humoristas viram-se impedidos de realizar o seu trabalho pois tiveram as suas redes sociais bloqueadas, músicos viram espetáculos e concertos cancelados porque escreveram “tweets controversos” e houve, inclusivamente, restaurantes que foram à falência depois de publicações que fizeram nas redes sociais que foram consideradas ofensivas e que desencadearam uma onda de críticas falsas e negativas nos seus sites que afastaram os clientes, provocando o desemprego de várias pessoas, tudo por causa duma publicação. A censura é uma bola de neve que vai sempre "engolir" os menos poderosos.

Então devemos tolerar afirmações que vão contra os direitos humanos ou insultos e ofensas gratuitas a outras pessoas? Sim e não. Sim, porque não devemos limitar a liberdade de expressão destas pessoas, visto que não sabemos as repercussões que essas limitações possam ter, repercussões essas que, historicamente, têm tendência a prejudicar os mais fracos, mesmo que a intenção inicial dessas limitações seja defendê-los. E não, não devemos deixar passar em branco esse tipo de afirmações, pois a liberdade de expressão total funciona para os dois lados, e com ela podemos tentar corrigir, avisar ou chamar a atenção para o facto desses comportamentos não serem corretos.

Numa utopia em que toda a gente respeitasse os direitos e liberdades das outras pessoas, a questão da liberdade de expressão não se colocaria, pois ninguém sentiria a necessidade de silenciar o outro, mas como não vivemos numa utopia, é mandatório tentar compreender qual é a solução para este problema que levanta menos injustiças e que nos permite caminhar para um mundo mais evoluído. E pelas razões que acabei de apresentar, a solução deve passar sempre pelo aumento da liberdade, e não pela sua limitação.

 

                                                           Francisco Macieira, Nº11, 11D

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