quarta-feira, 23 de outubro de 2013
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
O conhecimento filosófico
O conhecimento filosófico
Quando pretendemos escrever sobre um qualquer assunto é
conveniente definir muito bem os termos com que faremos o nosso texto.
Conhecimento pode ser definido como uma crença, entendida
como algo em que nós acreditamos; verdadeira, porque tem que corresponder à
realidade e, obviamente, justificada. Não vale dizermos seja o que for sem
saber justificar o que foi dito. Nesta medida, o conhecimento refere-se sempre
a algo e visa compreendê-lo. Para tal faz-se um esforço para organizar as
ideias, no sentido de lhes fornecer uma ordem. Quando nos deparamos com uma
situação nova, somos levados a procurar uma ideia, um sentido àquilo para me
sentir mais seguro. Só que, por vezes, a realidade não é assim tão fácil. Há
assuntos que merecem mais a nossa atenção do que outros; assim como há assuntos
que são mais facilmente resolúveis por determinadas ciências. Um cientista
procura, através de um método e instrumentos próprios, conhecer a realidade,
dando-lhe um certo significado. Por isso, cria fórmulas químicas, modelos
matemáticos, classificações de plantas e animais… Atenção, não quer isto dizer
que a filosofia não necessita da ciência. Aliás, é imprescindível o recurso à
ciência para fazer filosofia.
Vamos fazer a ligação com a filosofia
A filosofia não envereda por estes caminhos. Os seus
recursos técnicos não são idênticos às ditas ciências naturais. Na filosofia
não se usam microscópios (embora, por vezes, seja necessário um olhar de
lince), muito menos provetas. Na filosofia recorre-se à argumentação. O
raciocínio é uma predisposição que possuímos que nos leva a pensar
sistematicamente com o objetivo de qualquer pessoa reconhecer como correto. A
razão é, deste modo, um recurso importante porque nos propõe utilizar um método
que seja imune ao individual e social. A lógica tem aqui um papel
preponderante.
Agora uma ligação com os argumentos
A correção dos nossos argumentos é uma exigência social. Daí
que a filosofia recorra de forma assídua à lógica. Esta mostra-nos quando um
argumento é ou não válido, tem ou não sentido, o que não impede que façamos as
devidas correções às premissas que sustentam a conclusão. Isso mesmo, um
argumento é um encadeamento de ideias em que a última é sempre expressão das
anteriores.
Não parece muito viável que executamos qualquer ponto de
vista a partir de uma forma desconexa, pois não permitiria que a racionalidade
do outro fosse respeitada. Também ninguém quereria ficar nesta situação porque
todos nós temos um conjunto de teses sobre a realidade que gostamos de
partilhar. As teses não são mais do que ideias que formulamos acerca dos
problemas; proposições, verdadeiras ou falsas, sobre os mais variados assuntos.
Mas sejamos sérios. Estas ideias não se podem ficar por meras opiniões, elas
devem ser sustentadas por argumentos que enalteçam a clareza e a racionalidade.
Os problemas da vida assim o exigem.
(aproveito para falar de problemas).
Problemas há muitos. É comum identificarmos um problema com
uma situação que apela à nossa intervenção e compreensão, no sentido de ser
clarificado para nosso benefício. Mas atenção, a filosofia não se debruça sobre
o problema, por exemplo, da transmissão de certas doenças; os problemas da
filosofia correspondem às designadas crenças básicas, crenças que servem de
apoio a todas as outras. Se estou a tentar conhecer algo é porque resolvi uma
questão que lhe serve de referência: o que é o conhecimento? Da mesma forma, se
for crente é porque confio na crença básica do crente: Deus existe (apesar de em Filosofia o encontro com Deus seja racional). Se ouço uma
música e dela usufruir, encontro-me em condições de descrever uma crença
básica: o que é arte? Quando me dirijo a uma urna no sentido de votar, encontro
neste ato uma pergunta básica: o que é a política? Numa situação de
comportamento moral sei, ou devia saber, responder à pergunta: o que é o bem? O
que é o mal?
António Daniel
sábado, 14 de setembro de 2013
As questões filosóficas costumam ser sintetizadas em quatro:
- O que posso saber?
- O que devo fazer?
- Que me é permitido esperar?
- Que é o Homem
São quatro grandes questões que, segundo Kant, abrange o campo da filosofia. A primeira acentua o conhecimento que, numa terminologia muito própria, se designa de gnosiologia, quando nos referimos ao conhecimento em geral, ou epistemologia, se as nossas preocupações se referem ao conhecimento científico. Esta distinção é puramente formal, já que o conhecimento científico é produzido na base de construção de qualquer conhecimento. Portanto, quando pergunto sobre o que posso saber, questiono a possibilidade de conhecer, a essência desse conhecer e a sua origem.
Ao conhecimento está ligado de forma indissociável o fazer. O fazer leva-nos ao conhecer, o conhecer permite-nos fazer. Porém quando fazemos algo, o horizonte do fazer encontra sempre «os outros». Tudo o que o ser humano faz implica a existência do outro. Como consequência, «faço» de acordo com aquilo que à partida pode ser bom ou mau.O bem e o mal são dois termos que prefiguram uma coexistência entre os seres humanos. Na natureza o bem e o mal são inexistentes. São valores inscritos na existência humana que confere à ação um conteúdo ético.
Às ações juntam-se inevitáveis conceitos. Quando em tribunal se avalia a culpabilidade ou inocência de um réu, os motivos, as razões, as intenções o carácter deliberativo e decisório do agente são aspectos que um bom advogado terá que levar em consideração. Para tal, deve dominar estas noções para que se aproxime de uma ideia de Homem.
«O que é o Homem?» é a pergunta fundamental. Talvez lá para o fim do ano possamos encontrar uma resposta. Até lá vamos tentado.
quarta-feira, 17 de julho de 2013
quinta-feira, 20 de junho de 2013
terça-feira, 23 de abril de 2013
quinta-feira, 18 de abril de 2013
quarta-feira, 17 de abril de 2013
segunda-feira, 18 de março de 2013
Nietzsche em Portugal
Juntamente com Marx e Freud, Nietzsche pode ser considerado o filósofo da suspeita por colocar em causa todo o edifício tradicional do pensamento ocidental. Tal facto promoveu junto da intelectualidade portuguesa, nomeadamente no início do século vinte, um grande entusiasmo por garantir um fundo de legitimação intelectual para a postura poética e literária. É com o recurso a Nieztsche que melhor se traduz a característica total do fenómeno cultural português
Sem querer menosprezar alguns autores como Vianna da Mota, Manuel Laranjeira ou Mário Saa, é em Almada e Álvaro de Campos que a emergência vitalista mais é promovida. As ideias de exaltação da vida pela vida, optimismo e vitalismo, a arte como nova metafísica, o sobre humano, o amoralismo do para lá do bem e do mal e a morte de Deus fomentaram o ideário modernista e futurista. A via intelectual funcionou como um revigorante da alma portuguesa depois do decadentismo fin du siècle.
Almada Negreiros alimenta esta atitude em textos como Cena do Ódio ou Ultimatum às Gerações Futuras. Na primeira transmite a ideia de que a civilização e o pensar são sintomas da decadência. Além amoralismo implícito no cantar dos vícios e dos instintos, há uma explícita afirmação de Zaratrusta. No segundo texto, surgem outros motivos nietzscheanos como o vitalismo, a apologia da guerra, crítica à democracia, compaginação entre força e inteligência, lexemas próximos do super-homem: «homem completo», «Homem definitivo».
Álvaro de Campos escreve, na revista Portugal Futurista (1917), «Ultimatum», texto de vanguarda estética onde assimila os valores futuristas: «O super-homem será, não o mais forte, mas o mais completo», assim como afirma que «Os estímulos da sensibilidade aumentam em progressão geométrica; a própria sensibilidade apenas em progressão aritmética». A erotização das máquinas que caracteriza a estetização tecnológica e a exaltação do eu estão bem presentes nas «Hup lá, hup lá, hup lá-hô, hup-lá Hé-há! Hé-hô! Ho-o-o-o-o ZZZZZZZZZZZZZZZZZZ» assim como quando diz: «Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ir na vida triunfante como um automóvel último modelo! Poder ao menos penetrar-me fisicamente por tudo isto.»
Nas Odes Marítima e Triunfal é reafirmado este pendor estético, acrescentando ao amoralismo a razão de ser da verdadeira moral. Por isso, afirma que o lado mau da história é a condição para o bem por que «sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sentimento de que tinha consciência.»
António Daniel
segunda-feira, 11 de março de 2013
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Bento Espinosa - Parte III
A vida de Espinosa é ela mesma um
exemplo da sua teoria: a afirmação potente e positiva de amor à vida, isto é, da
alegria. Realizou, portanto, uma crítica implacável das atitudes, das crenças, que
nutrem ódio à vida, que se rodeiam de cultos da morte, do homem envergonhado,
culpado, arrependido, invejoso, ressentido, que sufoca a vida com leis,
propriedades, deveres, impérios, às quais Espinosa chama “traições” à vida, ao
universo. O que há de pior no homem? A glorificação da passividade e da
submissão, a invenção da morte interior, essa alma masoquista que o exercício
da obediência instila.
Qual é a tese teórica central do
espinosismo? Esta: existe uma só Substância que possui uma infinidade de
atributos, Deus sive natura (Deus ou Natureza), sendo todos os seres modos
destes atributos ou modificações desta substância. Embora os atributos sejam
infinitos, a inteligência limitada do homem só pode conhecer dois: a extensão e o pensamento. Esforçar-se por conhecer é, portanto, uma paixão
alegre, positiva. Unir-se ao todo,
perceber o encadeamento de todas as coisas, das causas e dos efeitos,
totalidade na qual tudo tem uma razão, um nexo, uma necessidade imanente. Assim sendo, é rejeitada a
existência efetiva de qualquer entidade transcendente criadora e justiceira,
remetem-se estas fantasmagorias para o império do desejo e da imaginação, da
mecânica psicológica do medo e da servidão. Unicidade da substância,
univocidade dos atributos, imanência absoluta, interconexão entre o corpo e o
pensamento (dois atributos distintos mas paralelos da mesma substância). Compreende-se porque é filósofos do século
dezoito hajam concluído que tudo que existe é natureza ou matéria, sendo o
pensamento uma dimensão ou faculdade, gozando de autonomia muito embora, da
mesma, única e infinita natureza, excluindo a existência de uma alma imortal e
de um Deus transcendente mas pessoal, isto é, antropomórfico. Compreende-se a
influência ministerial de Espinosa sobre os materialismos, mas não é a única
interpretação: Espinosa, em rigor, não foi ateu. Nem ateu, nem panteísta.
Não nos é possível mais do que
transmitir aos jovens leitores deste escrito brevíssimas referências ao
conteúdo dos seus livros.
Tratado sobre a reforma do entendimento – Tradução, prefácio e
notas de António Borges Coelho, Livros Horizonte, 1971. “ É nele (no Tratado) que é necessário procurar a
chave de todo o sistema (o sistema filosófico de Espinosa): é como um prefácio
da ÉTICA e por certo não existe no
mundo outro modelo tão perfeito de análise filosófica», Alain, Spinoza, cit. por A.B.C.
ÉTICA - O que Espinosa expõe na 1ª Parte da ÉTICA é a definição de substância de tal modo que impossibilita
a existência de outra substância da mesma natureza, isto é, que tivesse o mesmo
atributo. Daí se segue que não podem existir um ser ou Deus sobrenatural, e, por conseguinte, fica
estabelecida a impossibilidade lógica de uma criação extranatural, o dualismo,
a transcendência. Como chegar, porém, a ser consciente de si mesmo, de Deus e
das coisas, quando a nossa consciência parece inseparável das ilusões e das
paixões?
Como conseguir formar ideias
adequadas, promotoras de sentimentos ativos, positivos, quando parecemos
condenados, pela nossa limitada natureza, a não ter senão ideias inadequadas?
Ora, na realidade, não estamos condenados. O estilo “geométrico”, o
encadeamento lógico dos raciocínios, as definições “claras e evidentes”, da
ÈTICA, o demonstra (de resto, foi para tal que Espinosa redigiu o Tratado sobre
a reforma do entendimento). O conhecimento que é necessário ao homem é o que se
adequa plenamente à ideia do objeto e tem por isso em si a garantia necessária da
sua verdade. As afeções estão sujeitas às mesmas leis (ordem) da natureza. O
seu conhecimento permitir-nos-á escolher quais os objetos que melhor se adequem
ao nosso corpo.
Absoluta é só a substância una e única, Deus exprime a
potência absoluta de existir e de agir, a potência absoluta de pensar e de
compreender.
A aceção do conceito de Razão, em
Espinosa, tem ocupado muitos comentadores. De entre muitos, preferimos seguir a
análise desenvolvida por Maria Luísa Ribeiro Ferreira.[1] A “razão abrangente”, a “razão constitutiva”
( citamos a autora) “sobreleva a representacional pois a categoria da
representação é desvalorizada em detrimento da identificação, da sintonia com o
Todo”[2] A Razão,
para Espinosa, possui uma dimensão ontológica, é fundamento e causa.
A Razão é um modo da ação dos
homens. “Mas, a verdadeira capacidade de agir do homem, ou seja, a sua virtude
é a própria Razão (pela proposição 3 da Parte III), que o homem contempla clara
e distintamente” [3]
Distinção espinosana entre razão e
entendimento: no livro IV da ÈTICA, o entendimento é identificado com a razão
“Por conseguinte é sumamente útil aperfeiçoar o entendimento ou a razão tanto
quanto pudermos”. [4]
Todavia, no livro II, diz o seguinte: “De tudo o que acima foi dito,
resulta claramente que nós temos muitas perceções e formamos noções
universais: 1º Das coisas singulares que os sentidos representam mutiladas,
confusas e sem ordem à inteligência; por esta razão, tomei o hábito de chamar a
essas perceções conhecimento pela experiência vaga.
2º Dos sinais, por exemplo, do
facto de termos ouvido ou lido certas palavras, nos recordamos das coisas e
delas formamos ideias semelhantes àquelas pelas quais imaginamos as coisas.
Para o futuro, chamarei a essas duas maneiras de considerar as coisas: conhecimento
do primeiro género, opinião ou imaginação.
3º Finalmente, do facto de termos
noções comuns e ideias adequadas das propriedades das coisas. A este género,
darei o nome de Razão e conhecimento do segundo género.
Além destes dois géneros de
conhecimento, há ainda um terceiro como o mostrarei a seguir, a que chamaremos ciência
intuitiva. Este género de conhecimento procede da ideia adequada da
essência formal de certos atributos de Deus para o conhecimento adequado da
essência das coisas”[5].
O que é essencial à natureza
humana é por conseguinte idêntico em todos. Daí que quanto mais cada homem
procura a sua conveniência, tanto mais os homens são semelhantes entre si e
podem ser úteis uns aos outros (Ét., IV, cit. por Nicola Abbagnano, H. da
Filosofia, v. VI, Presença).
José Augusto Nozes Pires
[1] A Dinâmica da Razão na
Filosofia de Espinosa, dissertação de doutoramento, Lisboa, 1993.
[2] P.220.
[3] “At vera hominis agendi
potentia, seu virtus est opsa ratio (per Prop.3.p.3.), quam homo clarè, &
distinctè contemplatur (per Prop.40. & 43.p.2), Spinoza Opera, obra cit.,
p.249, Ethica, P. IV, P. LII. Dem.
[4] “In
vitâ itaque apprimè utile est, intellectum seu rationem, quantùm possumus,
perficere, & in hoc uno summa hominis felicitas, seu beatitudo
consisti ; » Et., IV, Appendix, caput IV, G. II., p.267
[5] “Ex
omnibus suprà dictis clarè apparet, nos multa percipere, & notiones
universalis formare Iº. Ex singularibus, nobis per sensûs mutilatè, confusè,
& fine ordine ad intellectum repraesentatis: & idèo tales perceptiones
cognitionem ab experientiâ vagâ vocare consuevi. IIº Ex signis, ex. gr. Ex eo,
quòd auditis, aut lectis quibusdam verbis rerum recordemur, & earum quasdam
ideas formemus similes iis, per quas res imaginamur. Utrumque hunc res
contemplandi modum cognitionem primi generis, opiniomem, vel imaginationem in
posterum vocabo. IIIº.
Denique ex eo, quòd notiones comunes, rerumque proprietatum ideas adaequatas
habemus; atque hunc ratonem, & secundi generis cognitionem vocabo. Praeter
haec duo cognitionis genera datur, ut in sequentibus ostendam, aliud tertium,
quod scientiam intuitivam vocabimus. Atque hoc cognoscendi genus procedit ab adaequatam
cognitionem essendiae rerum.”, Et., P.II,Prop.XL.,Esc.II,p.122.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Bento Espinosa - Parte II
Não nos dispensemos de conhecer a biografia daqueles homens e mulheres que nos despertaram admiração ou curiosidade nas artes, nas ciências, na filosofia. Eleva-se a um patamar terreno a nossa admiração pelas suas criações, relativiza-se a sua condição que é, afinal de contas, humana. Tão pernicioso é um preconceito como o é a mistificação de um fenómeno natural, ou meramente social, e o endeusamento acrítico de quem quer que seja. Na realidade, somos todos humanos, com defeitos e fraquezas. Porém, diferentes: há vidas que nos causam mais admiração do que outras. A vida de Espinosa é muitíssimo mais admirável do que a Descartes, a de K. Marx muitíssimo mais admirável do que a Schopenhauer. No entanto, foi precisamente a personalidade de Descartes que nos ajuda a compreender o seu célebre sonho e, consequentemente, o seu revolucionário cogito ergo sum; a personalidade misógina e ressentida de Schopenhauer ajuda a compreender o seu criticismo pessimista que na nossa época regressa à ribalta. Tal e qual se passou e passa com Bento Espinosa, alvo dos ataques mais soezes que algum outro filósofo foi vítima.
Falemos, pois, de Bento Espinosa, nas curtas linhas que cabem neste espaço.
Baruch era o seu nome em hebraico, Bento (Abençoado) em português. Teve vários irmãos, alguns dos quais faleceram ainda novos. Família de comerciantes relativamente abastados. Quando o pai morreu, Bento recusou a herança paterna para que sua irmã, Rebeca, pudesse com esse dote vir a casar com dignidade. Geriu a loja que transacionava produtos vindos de Portugal, durante algum tempo, mas sem grande convicção: preferia dedicar o seu tempo ao estudo. Aprendeu com brilho o francês, inglês, o hebraico e o latim; os seus estudos do Talmude e da Tora, textos sacralizados pelo povo hebreu, começaram muito cedo, motivo de agradável espanto dos seus mestres que viam nele um futuro e ilustrado Rabi. Desiludiu-os depressa: a sua interpretação dos textos ortodoxos provocaram a cólera da comunidade judaica e acabou julgado e condenado publicamente à expulsão (Cherem), expulsão que se manteve até hoje, apesar de Israel ter atribuído o seu nome a uma rua. Em 1670 é publicado anonimamente o seu Tratado Teológico-Político - imediatamente proibido - investigação minuciosa do Antigo Testamento, obra pioneira, sem paralelo, que escandalizou as ortodoxias e dogmatismos, pela qual se demonstra que o Sagrado é invenção humana e o Verbo divino uma inspiração política.
Enquanto redigia o T. T-P corrigia o seu escrito Tratado da Reforma do Entendimento, fornecendo a ambas as obras o fôlego filosófico que viria a ser alcançado com a sua obra-prima: a Ética, publicada postumamente.
A Holanda era então um país com uma numerosa e enriquecida burguesia, dotada de uma frota marítima que rapidamente substituiu Portugal nos mares e continentes que os portugueses exploraram. Incomparavelmente mais tolerante no plano religioso do que os reinos católicos, sempre cobiçada pela coroa espanhola. Para aí afluíam foragidos e emigrantes em busca de liberdade e de oportunidades de riqueza. Confrontos e intercâmbio de mercadorias, culturas e ideias, geraram crenças messiânicas às quais o nosso admirado Padre António Vieira não foi imune. A liberdade era relativa e instável, os apetites dinásticos e estrangeiros faziam-se sentir e as disputas religiosas podiam incendiar as multidões a qualquer momento. De modo que todos procuravam conservar entre os diversos partidos e confissões religiosas um equilíbrio dificílimo mas suficiente para não prejudicar os negócios. É neste contexto que os judeus ortodoxos condenam Baruch Espinosa, proibindo qualquer contacto com ele. Espinosa não se vergou, transformou a condenação aos infernos numa oportunidade para viver e trabalhar tranquilamente.
Falemos, pois, de Bento Espinosa, nas curtas linhas que cabem neste espaço.
Baruch era o seu nome em hebraico, Bento (Abençoado) em português. Teve vários irmãos, alguns dos quais faleceram ainda novos. Família de comerciantes relativamente abastados. Quando o pai morreu, Bento recusou a herança paterna para que sua irmã, Rebeca, pudesse com esse dote vir a casar com dignidade. Geriu a loja que transacionava produtos vindos de Portugal, durante algum tempo, mas sem grande convicção: preferia dedicar o seu tempo ao estudo. Aprendeu com brilho o francês, inglês, o hebraico e o latim; os seus estudos do Talmude e da Tora, textos sacralizados pelo povo hebreu, começaram muito cedo, motivo de agradável espanto dos seus mestres que viam nele um futuro e ilustrado Rabi. Desiludiu-os depressa: a sua interpretação dos textos ortodoxos provocaram a cólera da comunidade judaica e acabou julgado e condenado publicamente à expulsão (Cherem), expulsão que se manteve até hoje, apesar de Israel ter atribuído o seu nome a uma rua. Em 1670 é publicado anonimamente o seu Tratado Teológico-Político - imediatamente proibido - investigação minuciosa do Antigo Testamento, obra pioneira, sem paralelo, que escandalizou as ortodoxias e dogmatismos, pela qual se demonstra que o Sagrado é invenção humana e o Verbo divino uma inspiração política.
Enquanto redigia o T. T-P corrigia o seu escrito Tratado da Reforma do Entendimento, fornecendo a ambas as obras o fôlego filosófico que viria a ser alcançado com a sua obra-prima: a Ética, publicada postumamente.
A Holanda era então um país com uma numerosa e enriquecida burguesia, dotada de uma frota marítima que rapidamente substituiu Portugal nos mares e continentes que os portugueses exploraram. Incomparavelmente mais tolerante no plano religioso do que os reinos católicos, sempre cobiçada pela coroa espanhola. Para aí afluíam foragidos e emigrantes em busca de liberdade e de oportunidades de riqueza. Confrontos e intercâmbio de mercadorias, culturas e ideias, geraram crenças messiânicas às quais o nosso admirado Padre António Vieira não foi imune. A liberdade era relativa e instável, os apetites dinásticos e estrangeiros faziam-se sentir e as disputas religiosas podiam incendiar as multidões a qualquer momento. De modo que todos procuravam conservar entre os diversos partidos e confissões religiosas um equilíbrio dificílimo mas suficiente para não prejudicar os negócios. É neste contexto que os judeus ortodoxos condenam Baruch Espinosa, proibindo qualquer contacto com ele. Espinosa não se vergou, transformou a condenação aos infernos numa oportunidade para viver e trabalhar tranquilamente.
Evitava os falsos amigos, falar demasiado de si próprio,
escolheu como regra o princípio latino: “Caute”
(Cautela). Polia lentes para telescópios e microscópios, em que se revelou um
exímio artesão elogiado pelos grandes cientistas do seu tempo que lhos
encomendavam. Amigo dos seus amigos, correspondendo-se com alguns dos melhores
sábios, contudo não viajava e recusou mesmo uma cátedra em uma prestigiosa
universidade europeia. De compleição frágil e cada vez mais doente (sofria de
tuberculose que se agravou com o pó inalado dos vidros que polia) não cedeu
nunca a sua liberdade e o seu tempo a nada mais que não fosse ler, meditar,
limar até ao limite os seus axiomas e postulados insólitos e inigualáveis.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
Bento Espinosa. Parte I
Bento de Espinosa (1632-1677 |
Utilizo a grafia Espinosa, em vez de Espinoza, embora ele haja assinado com o nome de Espinoza, porque era filho de portugueses (Vidigueira) fugidos da Inquisição, e falava o português. E se tal não é motivo de orgulho patriótico pois que a Inquisição que tão ferozmente reprimiu a nossa cultura, o pensamento moderno e científico, era também portuguesa, não deixa de ser extraordinário: o maior filósofo de todos os tempos era filho de portugueses e falava a nossa língua, conviveu e pertenceu à comunidade de judeus oriundos de Portugal! Muitos deles haviam sido cristãos-novos, isto é, forçados a aderir ao cristianismo sob pena de ser presos, torturados, espoliados dos seus bens e provavelmente queimados em fogueiras nas praças públicas de Lisboa. E é mais extraordinário ainda que um pensador de tamanha envergadura mundial tenha sido desprezado, silenciado, caluniado, e ainda o é hoje! Basta consultar diversas bibliotecas públicas e privadas para constatarmos que a sua obra toda não se encontra lá, por vezes até nenhum dos seus livros.
Não é, portanto, por acaso, nem exceção, que os manuais de Filosofia escolares façam apenas uma menção rápida e superficial da biografia e obra de Espinosa e, pior ainda, o falsifiquem alguns, reduzindo o seu profundo e diversificado pensamento à fórmula determinismo versus liberdade. Em contrapartida dedica-se um capítulo (definitivo para efeitos de avaliação interna e externa, e é isso que conta) ao tema racionalismo versus empirismo, sem que se perceba as motivações científicas e políticas que se encontram na base da sempre renovada controvérsia entre apriorismos e experiencia, entre materialismos e idealismos. Ora, Bento Espinosa é de uma indiscutível utilidade para contatarmos com outra modalidade de racionalismo que não o estritamente cartesiano.
Certamente que há vários modos de aprender e ensinar a Filosofia, inclusivamente expô-la do presente para o passado, ou por temas e escolas, pelas controvérsias entre grandes mestres, etc. Algumas boas Histórias da Filosofia conseguem fazer confluir diversas abordagens, com um estilo límpido, conciso e historicamente fundamentado. São essas que nos deliciam independentemente da idade que tenhamos nessa altura. O que importa é que as teses e os respetivos argumentos, ou os princípios donde se parte e os resultados a que se chega, se tornem claros para o leitor, um pouco à semelhança das histórias maravilhosas de Conan Doyle. Abrir a história com o desenho do quadro – o contexto, a situação – é o “truque” do artista.
De modo nenhum me oponho à leitura desse belo livrinho que é “O Discurso do Método”, de René Descartes (desejaria que muitos o houvessem lido efetivamente). Apenas afirmo que um seu contemporâneo (embora mais novo), Espinosa de seu nome, leu-o, apreciou deveras o seu estilo “geométrico”, subscreveu a tese cartesiana de que a verdade tem de exprimir-se em ideias claras e evidentes por si mesmas, meditou longamente sobre o célebre “argumento ontológico” com o qual Descartes deduzia a necessária existência de Deus, porém deve menos ao genial matemático do que se julgaria, criando um sistema absolutamente singular. O espinosismo veio a ser muito mais influente na filosofia posterior, até aos nossos dias, ainda que, naturalmente, comentado e interpretado conforme as épocas.
José Augusto Nozes Pires
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