quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Bento Espinosa. Parte I




Bento de Espinosa (1632-1677

Utilizo a grafia Espinosa, em vez de Espinoza, embora ele haja assinado com o nome de Espinoza, porque era filho de portugueses (Vidigueira) fugidos da Inquisição, e falava o português. E se tal não é motivo de orgulho patriótico pois que a Inquisição que tão ferozmente reprimiu a nossa cultura, o pensamento moderno e científico, era também portuguesa, não deixa de ser extraordinário: o maior filósofo de todos os tempos era filho de portugueses e falava a nossa língua, conviveu e pertenceu à comunidade de judeus oriundos de Portugal! Muitos deles haviam sido cristãos-novos, isto é, forçados a aderir ao cristianismo sob pena de ser presos, torturados, espoliados dos seus bens e provavelmente queimados em fogueiras nas praças públicas de Lisboa. E é mais extraordinário ainda que um pensador de tamanha envergadura mundial tenha sido desprezado, silenciado, caluniado, e ainda o é hoje! Basta consultar diversas bibliotecas públicas e privadas para constatarmos que a sua obra toda não se encontra lá, por vezes até nenhum dos seus livros.
Não é, portanto, por acaso, nem exceção, que os manuais de Filosofia escolares façam apenas uma menção rápida e superficial da biografia e obra de Espinosa e, pior ainda, o falsifiquem alguns, reduzindo o seu profundo e diversificado pensamento à fórmula determinismo versus liberdade. Em contrapartida dedica-se um capítulo (definitivo para efeitos de avaliação interna e externa, e é isso que conta) ao tema racionalismo versus empirismo, sem que se perceba as motivações científicas e políticas que se encontram na base da sempre renovada controvérsia entre apriorismos e experiencia, entre materialismos e idealismos. Ora, Bento Espinosa é de uma indiscutível utilidade para contatarmos com outra modalidade de racionalismo que não o estritamente cartesiano.

Certamente que há vários modos de aprender e ensinar a Filosofia, inclusivamente expô-la do presente para o passado, ou por temas e escolas, pelas controvérsias entre grandes mestres, etc. Algumas boas Histórias da Filosofia conseguem fazer confluir diversas abordagens, com um estilo límpido, conciso e historicamente fundamentado. São essas que nos deliciam independentemente da idade que tenhamos nessa altura. O que importa é que as teses e os respetivos argumentos, ou os princípios donde se parte e os resultados a que se chega, se tornem claros para o leitor, um pouco à semelhança das histórias maravilhosas de Conan Doyle. Abrir a história com o desenho do quadro – o contexto, a situação – é o “truque” do artista.

De modo nenhum me oponho à leitura desse belo livrinho que é “O Discurso do Método”, de René Descartes (desejaria que muitos o houvessem lido efetivamente). Apenas afirmo que um seu contemporâneo (embora mais novo), Espinosa de seu nome, leu-o, apreciou deveras o seu estilo “geométrico”, subscreveu a tese cartesiana de que a verdade tem de exprimir-se em ideias claras e evidentes por si mesmas, meditou longamente sobre o célebre “argumento ontológico” com o qual Descartes deduzia a necessária existência de Deus, porém deve menos ao genial matemático do que se julgaria, criando um sistema absolutamente singular. O espinosismo veio a ser muito mais influente na filosofia posterior, até aos nossos dias, ainda que, naturalmente, comentado e interpretado conforme as épocas.

José Augusto Nozes Pires

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