sexta-feira, 23 de julho de 2021

Série Textos de alunos: O Prolongamento da Vida

 

Numa época onde as novidades tecnológicas prometem aumentar, e já em alguns casos aumentam significativamente, a longevidade humana, torna-se fundamental pensar nas suas consequências. Assim, colocam-se não só questões relacionadas com a definição de padrões de qualidade da vida prolongada até ao extremo, como também dificuldades no âmbito da governação e sustentabilidade sócio-económica de sociedades mais envelhecidas. Devemos ainda acrescentar as consequências do acesso desigual aos produtos biotecnológicos destinados a aumentar a longevidade humana. Vislumbra-se os indivíduos a fazer as suas próprias opções no que à vida diz respeito, promovendo os seus corpos numa corrida contra o tempo. Por este motivo, uma questão se apresenta:

Será o prolongamento da vida intrinsecamente bom?

Podemos designar o prolongamento da vida de duas formas. Por um lado poder-se-á entender como uma forma de prolongar a partir de uma existência em si frágil; por outro lado uma forma de alargar a esperança de vida em virtude do avanço tecnológico e científico. Estas duas situações são hoje em dia existentes. A resposta à segunda pergunta parece ser inevitável. É óbvio que todos gostam de prolongar a sua vida. Há em todos os sectores da sociedade uma inclinação natural para a necessidade de prolongar a vida. A morte é o desconhecido pelo que resulta em nós uma atitude de a não aceitar. Fica pois claro o nosso primeiro argumento:

Se todo o ser humano procura viver, então a vida é boa. Se a vida é boa, deve-se prolongá-la. Logo, se o ser humano procura viver, então deve-se prolongar a vida. 

Desde logo, a primeira premissa não parece muito sustentável. O facto de todo o ser humano procurar viver não implica que a vida seja boa. Podemos dar inúmeros exemplos de pessoas que pretenderam viver mas em condições não muito adequadas. O mero desejo de viver justifica o prolongamento da vida? Penso que não, se partirmos do pressuposto que prolongar a vida significa aumentar a duração do corpo a partir das inovações biotecnológicas. Ora, este mero aumento sem uma correlativa preocupação pela qualidade de vida poderá trazer-nos questões particularmente inquietantes. Valerá a pena viver com um corpo saudável e simultaneamente com uma degradação contínua das capacidades mentais? Sem estas últimas, creio, não estarem reunidas as condições de uma vida digna, tornando-se imperativo o repensar sobre a eutanásia. Contudo, na eutanásia ativa coloca-se a questão sobre a possibilidade da pessoas terem a capacidade de decidir sobre a sua morte. Portanto, o que adianta prolongar a vida sem a adequada saúde mental? Não me parece questionável afirmar que uma vida sem a clarividência da consciência não merece ser vivida, quer para o paciente, quer para as pessoas que com ele privam.

Estamos perante outra questão: Só a vida digna merece ser vivida?

O cerne deste problema encontra-se na noção de dignidade, conceito que mereceu da parte de muitos uma especial atenção. A ideia comum a todos que reflectiram sobre este conceito remete-nos para a ideia de racionalidade. Só as pessoas possuidoras desta faculdade poderão manter a vida porque ela é digna de, assim, ser vivida. Ora, não é necessário grande reflexão para colocarmos em causa este pressuposto. Uma criança não possui a racionalidade de um adulto, mas merece viver e a sua vida é digna, assim como uma qualquer pessoa que tenha nascido ou adquirido problemas de capacidade racional merece viver e a sua vida também é digna. Contudo, parece-nos que a pertinência desta reflexão está no prolongamento artificial da vida humana. Aqui talvez resida o foco deste ensaio.

De imediato deve colocar-se a dúvida acerca do que é artificial ou natural. Não será a vida humana naturalmente artificial?

Praticamente que todas as dimensões da vida são artificiais. O aumento da esperança de vida é resultado da evolução do conhecimento científico, dos meios de diagnóstico e de intervenção. Se acrescentarmos o desenvolvimento das células estaminais é possível que o prolongamento médio da vida para lá dos cem anos seja perfeitamente alcançável nos próximos anos. A existência humana resume-se à tentativa de se distinguir da natureza levando-a a construir uma realidade puramente humana. Assim sendo, pensarmos no prolongamento da vida não só é expectável como inevitável. Portanto, em vez de pensarmos sobre se é correto prolongar a vida a pergunta urgente é que consequências haverá desta inevitabilidade?

Devemos distinguir qualidade de vida e a sua duração. A duração implica qualidade de vida, considerando esta a posse de todas as capacidades que confiram ao ser humano um existência de conforto, de reflexão e de segurança e também de prazer. Convenhamos que o prolongamento da vida sem este pressuposto não será de todo conveniente, quer de um ponto de vista pessoal, quer social. As mudanças demográficas nas nossas sociedades crescentemente constituídas por pessoas envelhecidas colocarão em causa a sustentabilidade dos sistemas de segurança social assim como as diversas formas de governabilidade e substituição geracional, já para não esquecermos as alterações nas formas tradicionais de família.

Se estas últimas perplexidades necessitam de uma estratégia urgente, porquanto são inevitáveis, já a relação entre a qualidade de vida e a duração, será de pertinente reflexão: Será o prolongamento da vida um direito absoluto? Isto é, será prolongamento da vida um direito incondicional, independentemente das circunstâncias de cada um? A nossa resposta é claramente não. O nosso argumento pode ser sintetizado de seguinte forma: Praticamente todos os humanos têm direito ao prolongamento de vida. O prolongamento da vida justifica-se em condições em que não existe uma situação de sofrimento atroz e de irreversibilidade. Logo, o prolongamento da vida não é um direito absoluto, nomeadamente quando nem sempre é do interesse do paciente prolongar a vida.

Pedro Daniel Lourenço Pereira

terça-feira, 20 de julho de 2021

Série Textos de alunos: Para uma Defesa da Liberdade de Expressão

 

O objetivo de qualquer sociedade evoluída, civilizada e de mente aberta é garantir a felicidade das pessoas que dela fazem parte. E não existe nada mais importante para a felicidade de alguém que a liberdade. Muitas vezes para sermos felizes é mais importante podermos fazer algo do que fazermos algo. Eu, uma pessoa que adora ler livros no seu tempo livre, detesto quando sou obrigado a fazê-lo no âmbito da escola, mesmo que o livro que sou forçado a ler seja aquele que eu iria ler no meu tempo livre, pois a felicidade que o meu livre arbítrio me proporciona sobrepõe-se à felicidade que a leitura de qualquer livro me possa dar. Assim, a liberdade está diretamente relacionada com a felicidade, e por isso mesmo é um pilar fundamental das culturas mais evoluídas.

Sabendo que a liberdade pode tomar várias formas diferentes, neste texto vou defender um tipo específico de liberdade, a de expressão. Por vários motivos, que passo a explicar a seguir, a liberdade de expressão deve ser (quase) total. Introduzo a palavra "quase" entre parênteses pois existe uma exceção muito específica para esta liberdade, que acontece quando a segurança física de uma ou várias pessoas é colocada em risco. Se me encontrar no meio duma multidão, por exemplo, devo ser proibido de gritar "BOMBA" ou "INCÊNDIO", pois corro o risco de lançar o pânico e possivelmente causar feridos. Mas tirando este tipo de exceções muito específicas, a liberdade de expressão deve ser total.

Devo começar por afirmar que a liberdade de expressão é condição necessária (mas não suficiente, obviamente) para que exista democracia. Se fizermos parte de um país que utilize as eleições como método de eleger os seus líderes ou representantes mas não houver liberdade para que cada pessoa defenda as suas ideias e opiniões, então não estamos perante uma democracia, pois esta presume que quem tem o poder é o povo (demos – palavra para “povo” em latim e kratos – palavra para “poder/forma de governo” em latim juntaram-se para formar a palavra demokratia – palavra para “democracia” em latim), e se uma pessoa é influenciada e manipulada através da opressão e da censura a votar em alguém, sem ter acesso a ideias e opiniões diferentes e a críticas relativamente à forma de governação vigente, deixa de poder tomar uma decisão livre e informada e por isso deixa de ter qualquer poder na escolha dos seus líderes ou representantes, logo não se pode afirmar que viva numa democracia. E não será polémico afirmar que qualquer país que, neste momento, não seja gerido de forma democrática, deverá ser considerado sub-desenvolvido, injusto e imoral.

Passando da democracia para uma perspetiva mais geral, é importante perceber que, no fim, quem sai sempre prejudicado com as limitações da liberdade de expressão são os menos poderosos, mesmo que estas limitações tenham o objetivo de os proteger. Olhemos para o bullying, um problema muito atual e relevante. Há quem defenda que este deve ser combatido com a censura de palavras ou expressões consideradas desrespeitosas, violentas, agressivas... Mas quem é que iria beneficiar com isso? Quem pratica o bullying, e que, neste exemplo, se encontra numa posição de poder, iria, provavelmente, arranjar soluções mais criativas e disfarçadas de "torturar" as suas vítimas. Já as vítimas, que continuariam a sofrer com o bullying, teriam mais medo e mais vergonha em pedir ajuda, por se encontrarem num "regime" opressivo e de censura. Quem tem mais poder tem sempre vantagem a contornar a censura enquanto alguém com menos poder terá sempre desvantagem, pois a possibilidade das pessoas menos poderosas se exprimirem livremente é uma das maiores armas que estas mesmas pessoas têm para combater as injustiças que passam diariamente.

Para além disto tudo, ainda existe outro problema com as limitações à liberdade de expressão, que é o de estas, tal como as limitações a qualquer outra liberdade, funcionarem como uma bola de neve.

A seguir a «pandemia» e «confinamento», a expressão que mais deve ter entrado no vocabulário das pessoas no último ano foi cancel culture (cultura do cancelamento). Esta cultura começou como uma forma de justiça social e de luta contra o poder através das redes sociais, como o Me Too, que expôs uma série de pessoas famosas que atuavam como agressores sexuais, mas que nunca eram apanhados devido à rede de influências e poder que estava instalada. Aqui, e como é possível observar, a liberdade de expressão teve um efeito positivo na sociedade e funcionou como uma forma de dar poder aos menos poderosos. Só que esta cultura, que no início celebrava a liberdade de expressão, começou a tentar limitá-la. Inicialmente, algumas pessoas podem considerar que estas limitações tiveram efeitos positivos, pois permitiram retirar protagonismo e limitar a expressão de pessoas que proferiam afirmações racistas, homofóbicas, etc.. Mas como seria de esperar, mesmo que por bons motivos, as limitações à liberdade de expressão funcionam como uma bola de neve e não tardou muito para se começar a tentar cancelar coisas como opiniões políticas, músicas, piadas e basicamente tudo o que saísse do que esta cultura considerasse aceitável. Muitos humoristas viram-se impedidos de realizar o seu trabalho pois tiveram as suas redes sociais bloqueadas, músicos viram espetáculos e concertos cancelados porque escreveram “tweets controversos” e houve, inclusivamente, restaurantes que foram à falência depois de publicações que fizeram nas redes sociais que foram consideradas ofensivas e que desencadearam uma onda de críticas falsas e negativas nos seus sites que afastaram os clientes, provocando o desemprego de várias pessoas, tudo por causa duma publicação. A censura é uma bola de neve que vai sempre "engolir" os menos poderosos.

Então devemos tolerar afirmações que vão contra os direitos humanos ou insultos e ofensas gratuitas a outras pessoas? Sim e não. Sim, porque não devemos limitar a liberdade de expressão destas pessoas, visto que não sabemos as repercussões que essas limitações possam ter, repercussões essas que, historicamente, têm tendência a prejudicar os mais fracos, mesmo que a intenção inicial dessas limitações seja defendê-los. E não, não devemos deixar passar em branco esse tipo de afirmações, pois a liberdade de expressão total funciona para os dois lados, e com ela podemos tentar corrigir, avisar ou chamar a atenção para o facto desses comportamentos não serem corretos.

Numa utopia em que toda a gente respeitasse os direitos e liberdades das outras pessoas, a questão da liberdade de expressão não se colocaria, pois ninguém sentiria a necessidade de silenciar o outro, mas como não vivemos numa utopia, é mandatório tentar compreender qual é a solução para este problema que levanta menos injustiças e que nos permite caminhar para um mundo mais evoluído. E pelas razões que acabei de apresentar, a solução deve passar sempre pelo aumento da liberdade, e não pela sua limitação.

 

                                                           Francisco Macieira, Nº11, 11D

Série textos de alunos: Democracia ou Epistocracia?

 

Em primeiro lugar, há que ter em conta e saber distinguir com clareza as noções de democracia e de epistocracia. Democracia, do grego demos (povo) e kratos (poder) implica, atualmente, que todos os cidadãos de um determinado estado participam de forma igual na eleição de representantes através do sufrágio universal. A democracia abrange todas as condições socioeconómicas dos eleitores, permitindo uma participação ativa de todos os cidadãos na política. Por sua vez, a epistocracia, embora seja um conceito recente (concebido em 2003) provém do grego episteme (conhecimento científico ou verdadeiro) e kratos (poder). Num regime epistocrático, apenas os mais esclarecidos, educados e sábios exercem o poder de votar e ser eleitos.

  Hoje em dia, a democracia é encarada como o regime político mais desenvolvido devido ao seu caráter inclusivo e diverso. Assim sendo, é um regime claramente superior e mais eficaz do que a epistocracia. Isto é, em termos de probabilidade matemática e exata, permitir o voto e a candidatura a um grupo mais abrangente de pessoas (neste caso a todas as pessoas), regimes democráticos são capazes de selecionar candidatos mais aptos a governar, em resultado de se partir de uma maior amostra destes. Para justificar esta afirmação, considera-se as seguintes definições e expressões que definem o cálculo de determinada probabilidade:

-      Probabilidade de um acontecimento – é um número que mede a possibilidade de esse acontecimento se realizar;

-      A probabilidade P(A) de um acontecimento A, é a soma das probabilidades dos acontecimentos elementares que compõem A.

   (In “Probabilidades e Eliminatória”, por Maria Eugénia Graça Martins, Cecília Monteiro, José Paulo Viana e Maria Antónia Amaral Turkman)

Ou seja, quanto mais acontecimentos ocorrem, uma maior probabilidade de certa coisa acontecer é registada.

  Além disso, um regime democrático é, em comparação com a epistocracia, o único capaz de resultar na prática. Um exemplo disso será a necessidade que os epistocratas têm de fazer a seleção dos eleitores. Limitar o voto a pessoas que tivessem pelo menos o ensino superior em certas áreas ou um mestrado nessas mesmas seria um erro, já que é bastante comum pessoas com esse grau de educação não compreenderem política básica e não conhecerem os programas eleitorais. Pela lógica epistocrática, essas pessoas não estariam aptas a votar. Sendo assim, a solução seria realizar testes específicos para determinar quem tem direito ao voto e à candidatura, mas isso seria inexequível e dispendioso, tanto de fundos monetários como de tempo.

  Por outro lado, a epistocracia iria eventualmente caminhar para uma ditadura e para um constrangimento da liberdade de expressão. Não é possível garantir que não haja revoltas contra um regime que oprime ativamente indivíduos pertencentes a certos grupos sociais, por não os deixar votar e eleger os representantes que melhor se enquadram na resolução dos seus problemas enquanto membro desse grupo, seja ele étnico, social ou económico.

Um exemplo dessa revolta mencionada anteriormente é a existência de partidos políticos ou organizações, normalmente clandestinas, que lutam pela democracia em regimes de partido único. 

  Um dos argumentos epistocráticos mais fortes é o de que uma pessoa ignorante” é uma espécie de hooligan político (apoiantes fervorosos que normalmente desconhecem os programas partidários mas que, independentemente do que defenda o seu partido, o seu voto continua a ser leal a este) quando se trata do momento de votar. Já o epistocrata é, supostamente, uma pessoa ponderada que vota com base na razão. O eleitor democrático vota, segundo um epistocrata, por emoção e isso é aparentemente uma coisa menos favorável. No entanto, nenhum ser humano pode ser puramente racional ou emocional e o voto emocional não é necessariamente mau, uma vez que a emoção também é equacionada no processo de voto. 

  Tendo isto em conta, é a democracia quem dá lugar à resolução de problemas de certos grupos sociais, minorias, etc. Um epistocrata defende que a pessoa menos bem educada (que não merece o direito de votar) pode, do alto da sua ignorância, pôr em causa certas minorias ou grupos sociais ou étnicos. No entanto, é mais provável que a segurança e as condições de vida de certos grupos sejam postas em causa através do voto epistocrático. Um indivíduo de um grupo social que tenha, seja pela sua raça, etnia ou cultura, uma desvantagem à partida no sistema educativo e de emprego, tem menos probabilidade de obter o direito ao voto do que outro de um grupo ou classe social com uma vantagem sobre os demais. Com efeito, pessoas dos grupos sociais discriminados não iriam ter direito ao voto, sendo ainda mais marginalizadas e controladas por eleitores que só vivem a sua realidade e que, por mais educados que sejam, acabariam por tomar decisões egoístas e desinformadas que afetariam essas minorias, o que raramente aconteceria se o direto de voto fosse universal.  

  Portanto, pode concluir-se que a democracia é mais eficaz que a epistocracia em qualquer contexto político.

                                                      Beatriz Sobreira Guia, nº3 11ºD

A arte no poema Calçada de Carriche.

Luísa sobe, sobe a calçada, sobe e não pode que vai cansada. Sobe, Luísa, Luísa, sobe, sobe que sobe sobe a cal...