segunda-feira, 30 de julho de 2018

Dicotomia Facto/valor?

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No programa de Filosofia de 10º ano surge a dado momento a tarefa de distinguir juízo de facto de juízo de valor. Todos nós somos tentados por um certo institucionalismo e apresentamos a temática numa espécie de dicotomia acrítica quando é um assunto de especial sensibilidade filosófica e que merece uma maior problematização do que aquela que habitualmente é apresentada.

Creio que um ensaio de Hilary Putnam mostra as inconsequências da forma dicotómica, tentando provar que os enunciados factuais e as práticas de investigação que lhes fornecem sustentabilidade pressupõem valores (Hilary Putnam, Razão, Verdade e História, Publicações D. Quixote, 1ª edição 1992, p.168).

Concomitante ao conceito de facto está a noção de verdade que possui tudo menos uma resolução simples (https://antoniodanielfpc.blogspot.com/search/label/Verdade). A tónica de Putnam está no facto intuitivo de aceitarmos sem que haja reservas sempre que alguém nos diz «queres saber a verdade?». O problema está nos «padrões de racionalidade» que a pessoa possui. Por isso, quando afirmamos que o único objectivo da ciência é obter a verdade pretendemos acrescentar que «a verdade não é o fundo da questão: a própria verdade obtém a sua vida dos nossos critérios de aceitabilidade racional, e estes são aquilo que devemos olhar se quisermos descobrir os valores que estão realmente implícitos na ciência.» Sem esta conceção de racionalidade – que nos fornece «os padrões que nos dizem quando devemos e quando não devemos aceitar enunciados» (p.177) - não é possível afirmarmos que algo é um facto. Que noções estão presentes nesta racionalidade? Coerência, simplicidade, adequação e clareza parecem ser padrões, isto é, uma soma de valores e estes valores estão condicionados historicamente como estão os valores de beleza ou de bondade.. Valores sem factos são etéreos, factos sem valores são vazios.

É comum examinarmos os factos com uma correspondência entre o que é dito e a realidade, entre o conceito e aquilo que ele nos diz. A simples perceção também nos remete para a existência de valores. Como Putnam (p.178) afirma, percecionar um quarto sem enquadramento cultural e, portanto, conceptual, torna o conhecimento factual impossível de ser reconhecido, levando a pressupor que o realismo ingénuo é manifestamente insuficiente. A negação da dicotomia entre facto e valor ainda é mais evidente quando pretendemos descrever uma pessoa. Aplicar o conceito indelicado ou delicado pode funcionar de forma simultânea como censurar, enaltecer alguém ou mesmo descrever. Ao afirmarmos que alguém é indelicado não podemos estar também a descrevê-lo?

Tal é evidente na hipótese apresentada por Putman dos superbenthamianos. A descrição normalmente associada ao facto está enclausurada num sistema de valores. Imaginando que os  superbenthamianos desenvolveram mecanismos de avaliação ética a partir do pressuposto de que, por exemplo, a mentira é legítima se maximizarmos o nível geral do prazer. Será fácil constatar que «ao fim de algum tempo o uso da descrição “honesto” entre os superbenthamianos seria extremamente diferente do uso desse mesmo termo descritivo entre nós» (p. 181), tendo como consequência também a diferença de vocabulário para descrever situações interpessoais. Linguagens diferentes, mundos diferentes: não levará muito tempo em que o mundo em que os superbenthamianos vivem será radicalmente diferente ao nosso mundo.

Tanto nos «factos» como nos «valores», há uma adequação àquilo que é habitual. A visão mostra-nos factos pelo «facto» de se inscrever num certo comprimento de onda onde é possível vislumbrarmos. Fora desse contexto, a visão é considerada defeituosa. Assim, tal como a visão nos dá o mundo habitual, também a ideia de justiça nos dá o que é justo «para nós». Putman quer, assim, mostrar que a natureza dos enunciados físicos é do mesmo pendor  de outros enunciados, como os enunciados éticos. E, tal como não caímos no relativismo dos enunciados da física, também não devemos relativizar ou subjectivizar os valores. Os teoremas da física ou da matemática, sem deixarem de ser «para nós», não deixam de ser objectivos, apesar de não ter respostas determinadas. Também no que respeita aos valores, não existem respostas determinadas, porém é possível rejeitar a ideia de que qualquer ideal humano é tão bom como qualquer outro. Para Putman, a base da descrença na objetividade ética reside no receio do Estado se apoderar da moralidade, impondo um autoritarismo moral e político ou uma religião de Estado. 


quinta-feira, 19 de julho de 2018

David Hume. Questões.


1.       Distinga Relação de Ideias e Matérias de Facto.

David Hume afirmou existirem dois tipos de conhecimento. O primeiro, as Relações de Ideias, corresponde ao conhecimento a priori, é resultado de intuições e deduções e rege-se pelo princípio da não contradição. Por exemplo, o triângulo tem três lados. é uma proposição analítica, porque o predicado já está contido necessariamente no sujeito. É, por isso, uma verdade necessária. Pelo contrário, o conhecimento do tipo Matérias de Facto é um conhecimento a posteriori, derivado da experiência e resulta de processos indutivos. É contingente e corresponde a proposições sintéticas, como por exemplo os homens são inteligentes O sujeito homem não possui de modo necessário o predicado Inteligente.

2.       Caracterize a relação causal de acordo com Hume.

Para Hume, a causalidade consiste num processo de conhecer que transcende as experiências do passado e do presente. Quer isto dizer que a causalidade fundamenta-se a partir de um processo que se resume ao hábito, à contiguidade espácio-temporal e à sucessão de eventos. Apesar de ser através da experiência que adquiro a noção de relação entre fenómenos, essa relação não está necessariamente presente. Simplesmente adquiro essa noção pelo facto do mesmo fenómeno se repetir. Assim, há certas características que acompanham um fenómeno tipo A®B. Entre eles existe uma certa conjunção de acontecimentos. A antecede B e A apresenta-se sempre em conjunção com B. Do mesmo modo, eles estão próximos no espaço e no tempo e também existe uma precedência cronológica habitual. Todos estes factores são os motivos pelos quais efetuamos relações de causa e efeito. Só que esta relação não é necessária, é contigente e baseia-se numa crença na repetição dos fenómenos.

3.       Defina o problema da indução segundo Hume.

Do que ficou dito, a causalidade está na origem da indução, embora não a justifique. A indução consiste numa inferência que decorre da observação e das respectivas generalizações e previsões. Apesar da base da indução ser a causalidade, esta baseia-se numa mera repetição de eventos o que não significa que tal relação seja necessária e, por isso, é difícil de prever que tal ocorra no futuro. Esse é problema da indução. O simples facto de acontecer no passado não significa que os mesmos fenómenos ocorram no futuro. Simplesmente existe uma crença. A conclusão de um argumento indutivo pode sempre ser falsa mesmo que a experiência que acumulámos sobre um determinado assunto aponte em sentido contrário

4.       Explique por que razão segundo Hume a relação causal não pode justificar a indução.

Porque a relação causal que estabeleço entre dois fenómenos decorre de uma mera regularidade. A generalização efectuada pela indução não é de todo sustentada a priori, nem é necessária, decorre de uma mera crença na regularidade dos fenómenos. No passado constatámos padrões e acreditámos que eles continuariam a produzir-se no futuro e que isso sempre aconteceu. Porém, como asseverou Hume do facto de no passado o futuro se ter revelado semelhante ao passado não se pode inferir que, no futuro, o futuro seja como o passado ou, dito de outro modo, a nossa experiência apenas pode justificar as nossas crenças acerca do futuro se tivermos uma justificação independente (dela) para acreditar que o futuro será como o passado; mas, claro, isso é o que precisamente não temos.
Por outras palavras, o único modo por meio do qual se pode fazer apelo à experiência para verificar se P®Q é o de observar se no passado se observou sempre que P®Q. Portanto, para mostrar que P®Q é verdadeira seria necessário mostrar que não haveria casos em que P®~Q e de termos esgotado todas as inferências do tipo P®Q. Logo, P®Q não podem resumir-se àqueles que foram objecto das nossas observações passadas e presentes. Se P®Q ocorre num certo universo não posso inferir daí que ocorra em qualquer universo.

5.       Explique a que tipo de cepticismo conduz a crítica de Hume da indução.

Perante a dificuldade da indução parece haver uma só saída: o ceticismo. Efetivamente, o problema da indução veio mostrar-nos que não é possível conhecer a realidade, pois não devemos confundir a realidade com a perceção que possuímos dessa realidade. Na base do conhecimento está tão só uma crença na uniformidade da natureza. Para Hume é bom que assim seja caso contrário ficaríamos numa posição de imobilismo. Portanto, o ceticismo de Hume não é radical, antes pode ser qualificado de mitigado ou moderado.