sábado, 16 de julho de 2011

Depois do romantismo: A questão do «Bom Senso e do Bom Gosto» - Questão Coimbrã


A questão do «Bom Senso e do Bom Gosto» - Questão Coimbrã


- Caracterizou-se por uma guerra de folhetos e folhetins entre Antero e António Feliciano de Castilho e António Pinheiro Chagas. Com um fundo predominantemente ideológico, esta questão promoveu ventos de mudança estéticos. Possivelmente influenciado pelo palavroso romantismo piegas, o realismo começa por caracterizar-se por uma defesa pela linguagem simples. Se o realismo está presente em Eça, já Antero envereda por um transcendentalismo. É aliás este aspecto de Antero que os ultra-românticos acusam.

Os argumentos ideológicos

Os grandes aspectos da intervenção intelectual de Coimbra ficaram-se mais a dever a factores ideológicos e políticos do que por factores estéticos, a saber:
*      O problema da comunicação
*      A questão dos modelos doutrinários
*      As necessidades morais e intelectuais do público a que não é alheia o ruralismo e o analfabetismo imperante.
*      O estatuto do intelectual, dependente do poder e da pouco numerosa burguesia letrada.
*      A sua independência face ao público
*      A escolha das prioridades intelectuais
*      A reforma da universidade
*      Fundamento do espírito crítico
*      Reforma mental contra a burocratização do intelectual

Significado da Geração de 70


- Projecto de síntese e de mudança nacional e europeu;
- Discussão despreconceituosa, racional;
- Abertura a novas experiências estéticas;
- Regeneração total do país (económica, cultural e política); «reaportuguesamento»

Causas formais:

Geração de Coimbra contra o:
·         Romantismo Piegas;
·         Classicismo Retórico (verdade, Belo, Bem) – (filosofia da Regeneração);
·         Descrença na possibilidade de se alcançarem as reformas sociais e políticas através das vias institucionais;
·         Constatação da crescente institucionalização e burocratização do artista através da atribuição de cargos públicos[1];

Causas materiais:

·         Revolução abortada das patuleias (1846-1847). Guerra civil ganha pela facção de D. Maria II (cartistas). Os cartistas tornam-se posteriormente no Partido Regenerador, tendo-se afirmado como um partido conservador que defendia a monarquia constitucional.
·         O pré-industrialismo das políticas de Fontes Pereira de Melo – da política do transporte - e as reacções de D. Pedro V a este estado de pragmatismo burguês e o consequente parasitismo económico.
·         A falência cultural portuguesa: a sociedade portuguesa caracterizava-se por uma imitação grotesca da cultura europeia. O tédio tornou-se um sentimento generalizado da sociedade portuguesa e invadia o espírito de tudo e de todos.

Causas intelectuais:


Face a este quadro, a descrença na transformação do país levou muitos intelectuais a vincularem-se a correntes do pensamento que se difundiam por toda a Europa.
·         - Numa primeira fase, simpatia com o socialismo utópico de Saint-Simon, Fourier, Proudhom.

·     - Defesa de um ponto de vista evolutivo contra a degenerescência romântica de António Feliciano Castilho.
·         - Difusão das primeiras ideia republicanas (fundação do jornal A República em 1948).
·        - Numa segunda fase, idealização de uma aristocracia iluminada, contraponto a um socialismo utópico. Coincide com a fase da ironia queirosiana. Este período corresponde à máxima «vencidos da vida».

Como se caracteriza?

·        - Idealismo céptico. Cepticismo fin-de-siècle do pós-romantismo europeu; idealistas por que convictos do poder absoluto das ideias face ao mundo.
·        - Sentido revolucionário do tempo: acto de esquecimento do passado e promoção da ideia de fim da história.
·         - Movimento niilista: esquece a própria memória, negação do Estado como memória da nação, negação da igreja como negação da alma, o partido como memória de classe.
·        -  Renovação nos métodos da interpretação histórico – literária;
·        -  Germanização coimbrã como resposta à constatação de carências educativas;
·         Instauração de um espírito crítico;
·      - Para Antero a tragédia (futuro) é a marca, o trágico (passado) predomina em Oliveira Martins e o cómico (presente) em Eça.[2]

O que pretendiam?

·         Reforma mental;
·      - Corresponder às necessidades morais e intelectuais do público (revolução vintista);
·       - Acertar o passo com a Europa, no sentido civilizacional;
·        - Novos modelos doutrinários;
·        -  Independência intelectual;
·         - Reformas das Universidades.
·     - Repensar e pôr em questão toda a cultura portuguesa desde as suas origens, fixando-se no ponto mais elevado e também mais complexo da história de Portugal, isto é, o período das descobertas.
·   - Promover activamente uma transformação profunda na ideóloga política e na estrutura social portuguesas, preparando a revolução republicana de 1910.


[1] Ideias retiradas de Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70, Círculo de Leitores, 1987.

[2] Ideias retiradas de Álvaro Machado, A Geração de 70 – Uma Revolução Cultural e Literária, Biblioteca Breve, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1986.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Expressão Filosófica das Viagens da Minha Terra - Parte III



Almeida Garrett
- Encontro de três tendências: Reacção ao Iluminismo francês do século XVIII e respectivo ideal de progresso e cosmopolitismo; nacionalismo estrito de raiz liberal, Cultura Clássica.
- Reacção ao processo de Regeneração.
                - Regeneração: Protagonizado por Saldanha, o grito no teatro de São João, Porto, pretendia retomar a pureza de um liberalismo que ainda não cumpria os seus fins. No centro socioeconómico deste movimento regenerativo está Fontes Pereira de Melo (1819 -1887).
 


Garrett enceta uma reacção cultural contra a idolatria do progresso. O Relato na primeira pessoa mostra o recurso romântico da expressão do individualismo como um modo intimista subjectivo. Vivência exclusiva do eu, reveladora de intimidade com o mundo.
Este mundo é consequência de uma intimidade com a natureza. O êxtase, a contemplação e a perplexidade face à natureza constitui uma abertura ao mundo.
Por isso, a Viagem desenrola-se numa abertura ao imprevisto e à aventura; à estranheza, à aprendizagem, ao desvelamento e à revelação, correspondendo à necessidade de uma participação no real concreto, nomeadamente numa intromissão na portugalidade e no propósito de uma visita ao passado regional como denúncia permanente dos atropelos da cópia estrangeira sem ter em conta o espírito nacional. A atitude crítica e especulativa face ao presente está, assim, presente. 


terça-feira, 5 de julho de 2011

Expressão Filosófica das Viagens da Minha Terra - Parte II

A Filosofia romântica

Resolução das antinomias:
Infinito
Eu
Ideal
Deus
Finito
Não eu
Real
Mundo

- O finito não existe fora do infinito e o infinito não existe fora do finito
- Esta ideia desemboca no inevitável Panteísmo e Imanentismo.
- Redução de todo o poder espiritual à sensibilidade (Condillac). A diversidade dos poderes espirituais depende da diversidade dos poderes sensíveis.
Fichte elaborou uma concepção do «eu» própria do idealismo alemão. O Eu constitui a realidade primordial. É o agente e o produto da acção. Por isso a sua actividade é pura e infinita. Os românticos  apoderaram-se desta concepção fitchiana do Eu e identificaram-no com o génio individual e transferiram para este a dinâmica daquele [1]. O mundo romântico está aberto ao mistério e ao sobrenatual. O verdadeiro mistério exige que o homem desvie o olhar de tudo quanto o rodeia e desça dentro de si próprio. É para o interior que se dirige o caminho misterioso.
Johann Fichte (1762-1814)
No contexto das ciências, a filosofia ocupa o lugar da fundamentação. É a base de todas as outras ciências. No contexto da filosofia tem que se procurar a proposição mais básica, isto é, o fundamento da experiência.
A Experiência é entendida de duas formas: como liberdade e como necessidade. A primeira depende do sujeito (crio uma montanha de ouro, decido ir a Bruxelas…) – inteligência (idealismo); a segunda não depende do sujeito (quando passeio por uma rua, o que vejo, o que oiço, não dependo de mim) – coisa em si (materialismo, determinismo).
Qual é, então, o fundamento da filosofia? Ao procurarmos pela crença básica, encontramos sempre um «eu». Quando digo: «pensem na parede», posso transitar indefinidamente desta forma: «pensem em quem pensou na parede». Por mais que tentamos objectivar um «eu» resta sempre um outro «eu», um «eu» que transcende qualquer pergunta e funciona como condição da unidade da consciência.
Esta descoberta do «eu puro» é puramente intuitiva e é apropriada por alguém que esteja preparado para tal. Não é puro misticismo por que pressupõe uma reflexão aturada. «Não posso mover nem um dedo da mão sem a intuição da minha autoconsciência e dos seus actos. Isto é o fundamento da vida.
O «eu puro» é um «eu transcendental». Não é um solipsismo, é supraindividual.[2]
Fichte esclarece a unidade absoluta como aquilo que é puramente encerrado em si, como a imanência, como o verdadeiro e o imutável. Trata-se de reconduzir o diverso a essa unidade e, inversamente, compreender todo o diverso a partir dessa unidade. Para a Doutrina da Ciência, isto significa: ela compreende unidade e diversidade, fundamento e fundado, princípio e principiado, reciprocamente, na sua relação necessária.
O princípio da filosofia, o seu verdadeiro ponto de partida, é o absoluto. Ele é unidade e verdade. Este absoluto é aquele acerca do qual, frisa Fichte, não está em questão «como se denomina esse ser, mas como se apreende e mantém interiormente. Denomine-se, ainda assim, [esse ser como] eu.»


[1] Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, 8ª edição, Almedina, Coimbra 1988, pág. 543 e ss.
[2] Ideias baseadas em Frederick Coplestone, Historia de la Filosofia, vol. VII, Ariel, Barcelona, 1989.

sábado, 2 de julho de 2011

Expressão Filosófica das Viagens da Minha Terra - Parte I

Romantismo como filosofia [1]


·         Significado do iluminismo  

v  O classicismo e a literatura aristocrática deixaram-se modelar por uma apatia de privilégio, perdendo uma boa dose de questionação do mundo. O Iluminismo representou um profunda mudança cultural. Imprimiu uma mudança na ideia de Estado e na arte
v  O Iluminismo trouxe um abalo a esta ordem de coisas. A modernização do Estado foi o efeito de um amplo desenvolvimento da filosofia e da ciência.
v  A mudança promoveu uma nova perspectiva face à decadência e ao analfabetismo, situação muito do agrado da intelectualidade do antigo regime.
v  A promoção de condições de acesso à cultura, padrões estéticos e de gosto foram profundamente alteradas.
v  Urgência na atribuição de liberdades fundamentais de expressão, religião e de justiça social.

·         Reacção ao iluminismo: Predilecção pelo Volkgeist

v  Com  a actividade laboriosa da burguesia, as literaturas autóctones foram ganhando novo vigor.
v  A hegemonia da razão para solucionar todos os problemas e males sociais começava a ser posta em causa.

·         Exaltação do poder da imaginação, do eu criador e o papel do sentimento e da intuição.

v  Papel de Rosseau. Sem negar a importância da razão, Rosseau limitava-a a uma das duas componentes fundamentais. A outra seria o coração. O indivíduo sensível e imaginativo na presença do mundo dado na sua imediaticidade natural e exponânea, tornou-se no bom selvagem, promovendo a imaginação.
v  O génio artísico ocupa o lugar do filósofo.
v  Procura individual do seu próprio ideal moral em detrimento das leis universais ditadas pela razão prática impessoal.
v  Concepção orgânica da natureza que vibra em uníssono com o espírito, revestida da beleza e mistério deste.
v  Sentimento e nostalgia do infinito materializado numa concepção unitária do homem e da natureza.
v  Substituição das noções de tempo estático, de determinismo absoluto, de fé e imutabilidade do gosto e do belo pelas de devir hitórico, relatividade e descrença no catolicismo.
v  Identidade entre finito e infinito.


[1] Ver Alberto Carvalho, «apresentação crítica…», in Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett, colecção textos literários, Editorial Comunicação, Lisboa, 1987, pp 17 e ss.