quarta-feira, 29 de junho de 2022

Textos de alunos: A vida tem sentido?

 

   Por ser mortal e temer a sua própria morte o Homem, desde os primórdios da sua existência, questionou-se sobre o sentido da vida. Dos antigos filósofos gregos, como Aristóteles e Platão, até os cidadãos das sociedades atuais, como o autor deste texto, todos/procuraram responder ao problema do sentido da vida.

   Contudo, para responder, primeiro, é necessário compreendê-lo. Quando nos referimos ao problema do sentido da vida, estamos, verdadeiramente, a referir-nos ao seguinte conjunto de questões: “A vida possui sentido?”, “(Se sim,) qual é o sentido da vida?”, “O sentido da vida depende da existência de Deus?”.

   Como referido anteriormente, uma vez que este problema foi/é tema de discussão de vários homens e mulheres ao longo do tempo, surgiram inúmeras teorias com um intuito de servir como resposta a estas questões. Entre as mais famosas estão a de Tolstói e a de Sartre.

   Tolstói, não conseguindo atribuir qualquer sentido racional aos atos realizados por si em vida, acreditava que para a vida possuir sentido a existência de Deus é uma condição necessária. Isto é, para Tolstói, o sentido da vida de todo Homem é a união com o Deus eterno, o Paraíso. Apesar deste ponto de vista ser atraente, pois afirma que ao morrermos iremos para um plano melhor, o Paraíso, a verdade é que apresenta fragilidades que não podem ser ignoradas:

       - Como a existência de Deus é uma condição necessária para que a vida possua sentido; se Deus não existir, a vida não possui sentido. Ora, vale a pena por todo o peso das nossas vidas num ser que nem sabemos se existe realmente? E se Deus não existir, não seriam as vidas de todos os que partilham o ponto de vista de Tolstói desperdiçadas?

      - Agora imaginemos que Tolstói estava certo, Deus existe e o sentido da vida humana é a união com Deus, o Paraíso. Uma vez que ao chegarmos ao Paraíso o sentido da nossa vida já estaria completo, não estaríamos condenados a uma eternidade sem objetivos? Além disso, como nada se pode comparar à união do mortal com o divino, não seriam todos os acontecimentos posteriores a esse considerados tediosos?

   Analisando desta maneira, concluímos que, se Tolstói estiver certo, como consequência de completarmos o sentido das nossas vidas, estaremos condenados a uma eternidade tediosa e sem objetivos. Isto não parece plausível, uma vez que tira todo o sentido de viver. Logo, não podemos responder ao problema do sentido da vida através do ponto de vista de Tolstói.

   Por outro lado, Sartre, acreditava que o Homem está só e que este cria o sentido da própria vida. O Homem está condenado a ser livre e deve ser responsabilizado por todas as suas ações.   Uma das possíveis críticas ao ponto de vista de Sartre é semelhante à primeira crítica apresentada contra o ponto de vista de Tolstói:

      - Sartre acreditava que Deus não existe e isso permite ao Homem ser livre e dar sentido a sua vida. No entanto, ainda hoje não temos a certeza de que Deus não existe; logo, não podemos ter a certeza de que Sartre está correto.

        Assumindo que Deus existe, Sartre está errado e o Homem não está nem só, nem livre. Assumindo que Deus não existe, Sartre pode estar correto (não podemos assumir que se Deus não existir, Sartre está correto; pois, mesmo sem a existência de Deus, podemos não ser livres).

   Como ambas as teorias apresentadas possuem críticas muito fortes, o ponto de vista defendido neste texto é o Determinismo Biológico. Ou seja, o Homem é um ser semelhante a todos os outros e o único sentido da sua vida é a sua sobrevivência. Está nos seus genes a vontade de escapar da morte e é isso que traz sentido à sua vida.

   À primeira vista, esta teoria parece não ser plausível, uma vez que o Homem faz mais do que sobreviver e promover a continuidade da sua espécie. Contudo, quando olhamos para todos os outros seres vivos à nossa volta percebemos uma semelhança: Independentemente da existência de Deus e do facto de o Homem estar sozinho ou não, qualquer ser vivo coopera, compete ou se exclui com o intuito de aumentar as suas chances de sobreviver na natureza. Sendo o Homem um ser vivo como todos os outros, não faz sentido possuir um sentido de vida diferente, o Homem não é especial.

   O determinismo biológico pode ser definido através do seguinte argumento:

       - Apesar de ser racional, o Homem é um ser vivo como todos os outros.

       - Todos os seres vivos conhecidos lutam, cooperam ou se excluem como intuito de sobreviver — esse é o sentido das suas vidas.

       - Logo, sendo Homem um ser vivo semelhante a todos os outros, o objetivo da sua vida é semelhante ao dos outros seres vivos, sobreviver.

   Concluindo, é possível afirmar que o sentido da vida de qualquer ser vivo — incluindo o Homem — é independente da existência de Deus e de facto de estarmos sozinhos ou não.

 Daniel Brito, 11.º A, Agrupamento de Escolas da Ericeira.

 

 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Questões de Exame: Questões Filosóficas

2ª fase, 2020-21

1. A Lídia e o Joaquim assistiram a uma encenação de Tito Andrónico, de Shakespeare, que situava a ação no século XXI. No fim, ambos conversaram e se interrogaram acerca do que tinham visto nessa noite. Qual das interrogações seguintes não é de natureza filosófica?

(A) Será que a beleza, de que ambos falámos a propósito da peça, reside na própria peça ou é simplesmente a expressão de uma reação nossa ao que vimos?

(B) Será que, caso sejam usados subsídios do Estado para financiar as companhias de teatro, mais pessoas desfavorecidas irão ao teatro?

(C) Será que a representação artística da violência, ainda que alguns a considerem bela, é moralmente censurável?

(D) Será correto os encenadores alterarem intencionalmente as peças, em vez de procurarem representá-las tal como foram concebidas pelos seus autores?

Critérios: https://iave.pt/wp-content/uploads/2021/09/EX-Fil714-F2-2021-CC-VT_net.pdf



segunda-feira, 2 de agosto de 2021

O Tempo Linear. A Europa entre Jerusalém e Atenas

 


http://frontdaciencia.blogspot.com/2018/06/termodinamica-quantica-e-seta-do-tempo.html

A Ruína ensinou-me assim a meditar:

Que o tempo chegará e levará o meu amor.

Este pensamento é como uma morte que não pode escolher

Mas chora para ter o que teme perder.

                               Sheakespear, Soneto 64, 11-14

 

Qual o sentido do tempo para a Europa em particular e para o mundo ocidental em geral? Qual a crença básica do tempo que lhe preside? Será mais Atenas ou Jerusalém? São estas as questões que procuraremos responder de seguida. 

O sentido geral de uma ideia de Europa pode ser escrutinado pelos inúmeros atos, pensamentos e acontecimentos que suscitaram ideias escatológicas[1]. A ideia de Fim está de modo permanente inscrito no pensamento europeu pela nomenclatura da religião abraâmica. A Escatologia cristã tem uma identidade. Caracteriza-se pela esperança num mundo diferente. Algo novo, algo melhor onde o tempo é sem tempo, a eternidade. O fim dos tempos cheios de vida já se faz no presente. É a expressão da Ressureição que deixa marcas eternas no tempo presente. O cristão vive por antecipação a eternidade. Contudo, a escatologia europeia tem laivos de catástrofe. Nas janelas dos tempos europeus espreita-se teimosa e simultaneamente o Antigo e Novo Testamento.

A Europa foi construída pelo sangue. As guerras sucessivas desenharam-na. As guerras mundiais foram guerras civis europeias. Os balcãs até recentemente o evidenciaram. Sempre houve uma predilecção suicida da Europa. Ou então uma tentativa de sobreposição de culturas. O volkgeist hegeliano materializou-se num weltgeist culturalmente transversal. Seria uma arte concreta, um país concreto, uma política concreta. Seria o fim, onde o espírito se unificaria e confundia com o real. No mesmo sentido se predispôs Marx. Nos momentos revolucionários, a infraestrutura impunha-se, determinando a superestrutura no sentido de um encontro com o fim da Revolução do Proletariado através das contradições do capitalismo. Porém, os fins idealizados haviam sido, por vezes, acompanhados de catástrofe, o pessimismo de Krauss expressa o Apocalipse presente em vários momentos da história, mas sempre «Now» no sentido de Kubrick. Os Gulags e os Campos de Concentração permitiram entrever a catástrofe. Novos conceitos surgem, o Bug do milénio e a expectativa do fim sem retorno vivido de um modo lúdico. Hoje, a expetativa é vivida no conforto dos lares como se fossemos invencíveis e o apocalipse não nos afetasse. Eis um senão. Nos confins da Ásia abriu-se uma fenda na esperança. A epidemia recorda-nos a gripe que fora espanhola, assim como as medievais pestes. O Bug é físico e imaterial, o vírus é visível em microscópio, mas também nas ondas eletromagnéticas e nos algoritmos do nosso conforto. Pontualmente emerge o Antigo Testamento como forma de nos prevenir da finitude e fragilidade existente na aparente invencibilidade da evolução imparável da técnica e da ciência.  Os incontáveis momentos apocalípticos vividos sempre serviram para nos reposicionarmos no mundo e, acima de tudo, no tempo. No tempo consciente existe um eterno presente, como se cada geração correspondesse ou um infortúnio ou a uma fortuna. Pensemos atualmente e verificamos que a Europa vive esse presente que nunca foi tão afortunado. Como entender os reveses como a crise pandémica? Como justificar a ação?

Quando a realidade se impõe ao sono prazeroso, o medo reposiciona-nos no tempo e no espaço, serve como recurso pedagógico no sentido de tomamos consciência da finitude e da imensa fragilidade. O que faz a nossa civilização? Refugia-se na Atenas racional ou nas crenças milenaristas. Relativamente a estas últimas, Agostinho desmitificou-os[2], por isso o apocalípse fora reinterpretado como momentum, ocasião para reflectirmos sobre a história. Eis a interpretação do tempo de Jerusalém e de Sinai. A Seta do Tempo vê o sentido historicista da vida humana, do tempo cheio de propósito. A dialética da história é subsidiária do cristianismo e judaísmo. É de difícil execução criar um hiato entre a definição da humanidade no diálogo com o transcendente e a criação da modernidade. Os filósofos da suspeita, com exceção de Nietzshe, beberam da ideia messiânica da história, como bem se vislumbra em Marx ou Comte, e da queda de Adão inscrita no complexo de Édipo freudiano[3].

O Cristianismo surge como repositório da luta que o judaísmo encetou com a tradição helénica. Relembrando Agostinho, existem três tempos, a saber, lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras[4]. Por isso, no que ao tempo diz respeito, somos mais Jerusalém e menos Atenas, e mesmo aí somos mais cristãos que judeus. O Cristianismo bebe do judaísmo, mas foi além dele, correspondendo à necessidade de popularizar e universalizar a ideia de criação absoluta do mundo[5], onde todos e não somente os eleitos tivessem o seu momento salvífico e eterno. No embate com o período helénico, os cristãos não podiam comungar de uma visão cíclica do cosmos. A principal dificuldade prendia-se com a ideia de criação e com ela a ideia de fim, assim como a plena necessidade do cristianismo fundar o livre arbítrio como essência humana. O Eterno Retorno, destruiria a noção de pecado e de redenção, com a consequente noção de sanção divina, de sacrifício e ressurreição. Seria inconciliável a eterna repetição de todas as situações com a datação bíblica e os respectivos acontecimentos. Moisés só por uma vez guiou o povo prometido, só por uma ocasião Judas traiu Jesus[6].

Com o aparte do sentido pagão do Eterno Retorno recuperado por Nietzsche, um epifenómeno na imensidão evolucionista, a Europa fez-se com a ideia de Haeckel, Spencer e Darwin. A emergência da ideia de tempo linear e a evolução intelectual que impôs sustentaram a ciência moderna e a sua promessa de melhor vida na terra[7]. O evolucionismo encontrou terreno fértil na ciência, filosofia e arte. O optimismo foi o protagonista na Exposição Universal de novecentos. O ferro, a par das recentes invenções tecnológicas, penetrava nos espíritos mais afoitos como Marinetti ou Almada. A reinvenção da língua no acompanhamento da velocidade e o desmantelamento da tradicional sintaxe impunha-se em textos como a Engomadeira, mas também na revista Orpheu, com o epíteto de Triunfal, Pessoa expôs a sua Ode [8]. Os milénios são meros momentos, numerologias à parte, mas que promovem catarses e tomadas de consciência do progresso.

Como já havíamos afirmado, o Cristianismo e o judaísmo inventaram a seta do tempo, a ideia de linearidade, assim a ideia de começo e de fim. É inquestionável a ação das grandes religiões na definição do tempo, e ainda mais no tempo histórico. As manifestações humanas não existem singularmente, mas manifestam-se coletivamente. A própria memória se faz por filtros e a mundividência judaica e cristã funcionaram como filtros. Decidiam o que se deve lembrar e o que se deve esquecer. E o que se deve lembrar para a religião cristã é a redenção do fim que ele mesmo é um começo. Independentemente de se ser crente ou não, é inolvidável a influência que o cristianismo imprimiu na visão do mundo e do tempo. Aliás, o mundo é tempo e o tempo é o mundo.

 

Mafra, 31/7/2021

António Daniel Fernandes Pereira da Costa



[1] Ver George Steiner, A Ideia de Europa, Gradiva, página 42.

[2] Umberto Eco, O Fim dos Tempos, Terramar, pág. 209.

[3] George Steiner, op cit, página 40.

[4] Santo Agostinho, Confissões, Livraria do Postulado da Imprensa, 11º edição, página 309.

[5] Raul Proença, O Eterno Retorno, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1987, pág.177.

[6] Idem, página 180.

[7] Peter Coveney, Roger Highfield, A Seta do Tempo, trad. Maria Pinhão, Forum Ciência, Publicações Europa-América, página 26.

[8] Fernando Pessoa, «Ode Triunfal», in Orpheu, edição facsimilada, Contexto,1989, pág. 76.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Série Textos de alunos: O Prolongamento da Vida

 

Numa época onde as novidades tecnológicas prometem aumentar, e já em alguns casos aumentam significativamente, a longevidade humana, torna-se fundamental pensar nas suas consequências. Assim, colocam-se não só questões relacionadas com a definição de padrões de qualidade da vida prolongada até ao extremo, como também dificuldades no âmbito da governação e sustentabilidade sócio-económica de sociedades mais envelhecidas. Devemos ainda acrescentar as consequências do acesso desigual aos produtos biotecnológicos destinados a aumentar a longevidade humana. Vislumbra-se os indivíduos a fazer as suas próprias opções no que à vida diz respeito, promovendo os seus corpos numa corrida contra o tempo. Por este motivo, uma questão se apresenta:

Será o prolongamento da vida intrinsecamente bom?

Podemos designar o prolongamento da vida de duas formas. Por um lado poder-se-á entender como uma forma de prolongar a partir de uma existência em si frágil; por outro lado uma forma de alargar a esperança de vida em virtude do avanço tecnológico e científico. Estas duas situações são hoje em dia existentes. A resposta à segunda pergunta parece ser inevitável. É óbvio que todos gostam de prolongar a sua vida. Há em todos os sectores da sociedade uma inclinação natural para a necessidade de prolongar a vida. A morte é o desconhecido pelo que resulta em nós uma atitude de a não aceitar. Fica pois claro o nosso primeiro argumento:

Se todo o ser humano procura viver, então a vida é boa. Se a vida é boa, deve-se prolongá-la. Logo, se o ser humano procura viver, então deve-se prolongar a vida. 

Desde logo, a primeira premissa não parece muito sustentável. O facto de todo o ser humano procurar viver não implica que a vida seja boa. Podemos dar inúmeros exemplos de pessoas que pretenderam viver mas em condições não muito adequadas. O mero desejo de viver justifica o prolongamento da vida? Penso que não, se partirmos do pressuposto que prolongar a vida significa aumentar a duração do corpo a partir das inovações biotecnológicas. Ora, este mero aumento sem uma correlativa preocupação pela qualidade de vida poderá trazer-nos questões particularmente inquietantes. Valerá a pena viver com um corpo saudável e simultaneamente com uma degradação contínua das capacidades mentais? Sem estas últimas, creio, não estarem reunidas as condições de uma vida digna, tornando-se imperativo o repensar sobre a eutanásia. Contudo, na eutanásia ativa coloca-se a questão sobre a possibilidade da pessoas terem a capacidade de decidir sobre a sua morte. Portanto, o que adianta prolongar a vida sem a adequada saúde mental? Não me parece questionável afirmar que uma vida sem a clarividência da consciência não merece ser vivida, quer para o paciente, quer para as pessoas que com ele privam.

Estamos perante outra questão: Só a vida digna merece ser vivida?

O cerne deste problema encontra-se na noção de dignidade, conceito que mereceu da parte de muitos uma especial atenção. A ideia comum a todos que reflectiram sobre este conceito remete-nos para a ideia de racionalidade. Só as pessoas possuidoras desta faculdade poderão manter a vida porque ela é digna de, assim, ser vivida. Ora, não é necessário grande reflexão para colocarmos em causa este pressuposto. Uma criança não possui a racionalidade de um adulto, mas merece viver e a sua vida é digna, assim como uma qualquer pessoa que tenha nascido ou adquirido problemas de capacidade racional merece viver e a sua vida também é digna. Contudo, parece-nos que a pertinência desta reflexão está no prolongamento artificial da vida humana. Aqui talvez resida o foco deste ensaio.

De imediato deve colocar-se a dúvida acerca do que é artificial ou natural. Não será a vida humana naturalmente artificial?

Praticamente que todas as dimensões da vida são artificiais. O aumento da esperança de vida é resultado da evolução do conhecimento científico, dos meios de diagnóstico e de intervenção. Se acrescentarmos o desenvolvimento das células estaminais é possível que o prolongamento médio da vida para lá dos cem anos seja perfeitamente alcançável nos próximos anos. A existência humana resume-se à tentativa de se distinguir da natureza levando-a a construir uma realidade puramente humana. Assim sendo, pensarmos no prolongamento da vida não só é expectável como inevitável. Portanto, em vez de pensarmos sobre se é correto prolongar a vida a pergunta urgente é que consequências haverá desta inevitabilidade?

Devemos distinguir qualidade de vida e a sua duração. A duração implica qualidade de vida, considerando esta a posse de todas as capacidades que confiram ao ser humano um existência de conforto, de reflexão e de segurança e também de prazer. Convenhamos que o prolongamento da vida sem este pressuposto não será de todo conveniente, quer de um ponto de vista pessoal, quer social. As mudanças demográficas nas nossas sociedades crescentemente constituídas por pessoas envelhecidas colocarão em causa a sustentabilidade dos sistemas de segurança social assim como as diversas formas de governabilidade e substituição geracional, já para não esquecermos as alterações nas formas tradicionais de família.

Se estas últimas perplexidades necessitam de uma estratégia urgente, porquanto são inevitáveis, já a relação entre a qualidade de vida e a duração, será de pertinente reflexão: Será o prolongamento da vida um direito absoluto? Isto é, será prolongamento da vida um direito incondicional, independentemente das circunstâncias de cada um? A nossa resposta é claramente não. O nosso argumento pode ser sintetizado de seguinte forma: Praticamente todos os humanos têm direito ao prolongamento de vida. O prolongamento da vida justifica-se em condições em que não existe uma situação de sofrimento atroz e de irreversibilidade. Logo, o prolongamento da vida não é um direito absoluto, nomeadamente quando nem sempre é do interesse do paciente prolongar a vida.

Pedro Daniel Lourenço Pereira

terça-feira, 20 de julho de 2021

Série Textos de alunos: Para uma Defesa da Liberdade de Expressão

 

O objetivo de qualquer sociedade evoluída, civilizada e de mente aberta é garantir a felicidade das pessoas que dela fazem parte. E não existe nada mais importante para a felicidade de alguém que a liberdade. Muitas vezes para sermos felizes é mais importante podermos fazer algo do que fazermos algo. Eu, uma pessoa que adora ler livros no seu tempo livre, detesto quando sou obrigado a fazê-lo no âmbito da escola, mesmo que o livro que sou forçado a ler seja aquele que eu iria ler no meu tempo livre, pois a felicidade que o meu livre arbítrio me proporciona sobrepõe-se à felicidade que a leitura de qualquer livro me possa dar. Assim, a liberdade está diretamente relacionada com a felicidade, e por isso mesmo é um pilar fundamental das culturas mais evoluídas.

Sabendo que a liberdade pode tomar várias formas diferentes, neste texto vou defender um tipo específico de liberdade, a de expressão. Por vários motivos, que passo a explicar a seguir, a liberdade de expressão deve ser (quase) total. Introduzo a palavra "quase" entre parênteses pois existe uma exceção muito específica para esta liberdade, que acontece quando a segurança física de uma ou várias pessoas é colocada em risco. Se me encontrar no meio duma multidão, por exemplo, devo ser proibido de gritar "BOMBA" ou "INCÊNDIO", pois corro o risco de lançar o pânico e possivelmente causar feridos. Mas tirando este tipo de exceções muito específicas, a liberdade de expressão deve ser total.

Devo começar por afirmar que a liberdade de expressão é condição necessária (mas não suficiente, obviamente) para que exista democracia. Se fizermos parte de um país que utilize as eleições como método de eleger os seus líderes ou representantes mas não houver liberdade para que cada pessoa defenda as suas ideias e opiniões, então não estamos perante uma democracia, pois esta presume que quem tem o poder é o povo (demos – palavra para “povo” em latim e kratos – palavra para “poder/forma de governo” em latim juntaram-se para formar a palavra demokratia – palavra para “democracia” em latim), e se uma pessoa é influenciada e manipulada através da opressão e da censura a votar em alguém, sem ter acesso a ideias e opiniões diferentes e a críticas relativamente à forma de governação vigente, deixa de poder tomar uma decisão livre e informada e por isso deixa de ter qualquer poder na escolha dos seus líderes ou representantes, logo não se pode afirmar que viva numa democracia. E não será polémico afirmar que qualquer país que, neste momento, não seja gerido de forma democrática, deverá ser considerado sub-desenvolvido, injusto e imoral.

Passando da democracia para uma perspetiva mais geral, é importante perceber que, no fim, quem sai sempre prejudicado com as limitações da liberdade de expressão são os menos poderosos, mesmo que estas limitações tenham o objetivo de os proteger. Olhemos para o bullying, um problema muito atual e relevante. Há quem defenda que este deve ser combatido com a censura de palavras ou expressões consideradas desrespeitosas, violentas, agressivas... Mas quem é que iria beneficiar com isso? Quem pratica o bullying, e que, neste exemplo, se encontra numa posição de poder, iria, provavelmente, arranjar soluções mais criativas e disfarçadas de "torturar" as suas vítimas. Já as vítimas, que continuariam a sofrer com o bullying, teriam mais medo e mais vergonha em pedir ajuda, por se encontrarem num "regime" opressivo e de censura. Quem tem mais poder tem sempre vantagem a contornar a censura enquanto alguém com menos poder terá sempre desvantagem, pois a possibilidade das pessoas menos poderosas se exprimirem livremente é uma das maiores armas que estas mesmas pessoas têm para combater as injustiças que passam diariamente.

Para além disto tudo, ainda existe outro problema com as limitações à liberdade de expressão, que é o de estas, tal como as limitações a qualquer outra liberdade, funcionarem como uma bola de neve.

A seguir a «pandemia» e «confinamento», a expressão que mais deve ter entrado no vocabulário das pessoas no último ano foi cancel culture (cultura do cancelamento). Esta cultura começou como uma forma de justiça social e de luta contra o poder através das redes sociais, como o Me Too, que expôs uma série de pessoas famosas que atuavam como agressores sexuais, mas que nunca eram apanhados devido à rede de influências e poder que estava instalada. Aqui, e como é possível observar, a liberdade de expressão teve um efeito positivo na sociedade e funcionou como uma forma de dar poder aos menos poderosos. Só que esta cultura, que no início celebrava a liberdade de expressão, começou a tentar limitá-la. Inicialmente, algumas pessoas podem considerar que estas limitações tiveram efeitos positivos, pois permitiram retirar protagonismo e limitar a expressão de pessoas que proferiam afirmações racistas, homofóbicas, etc.. Mas como seria de esperar, mesmo que por bons motivos, as limitações à liberdade de expressão funcionam como uma bola de neve e não tardou muito para se começar a tentar cancelar coisas como opiniões políticas, músicas, piadas e basicamente tudo o que saísse do que esta cultura considerasse aceitável. Muitos humoristas viram-se impedidos de realizar o seu trabalho pois tiveram as suas redes sociais bloqueadas, músicos viram espetáculos e concertos cancelados porque escreveram “tweets controversos” e houve, inclusivamente, restaurantes que foram à falência depois de publicações que fizeram nas redes sociais que foram consideradas ofensivas e que desencadearam uma onda de críticas falsas e negativas nos seus sites que afastaram os clientes, provocando o desemprego de várias pessoas, tudo por causa duma publicação. A censura é uma bola de neve que vai sempre "engolir" os menos poderosos.

Então devemos tolerar afirmações que vão contra os direitos humanos ou insultos e ofensas gratuitas a outras pessoas? Sim e não. Sim, porque não devemos limitar a liberdade de expressão destas pessoas, visto que não sabemos as repercussões que essas limitações possam ter, repercussões essas que, historicamente, têm tendência a prejudicar os mais fracos, mesmo que a intenção inicial dessas limitações seja defendê-los. E não, não devemos deixar passar em branco esse tipo de afirmações, pois a liberdade de expressão total funciona para os dois lados, e com ela podemos tentar corrigir, avisar ou chamar a atenção para o facto desses comportamentos não serem corretos.

Numa utopia em que toda a gente respeitasse os direitos e liberdades das outras pessoas, a questão da liberdade de expressão não se colocaria, pois ninguém sentiria a necessidade de silenciar o outro, mas como não vivemos numa utopia, é mandatório tentar compreender qual é a solução para este problema que levanta menos injustiças e que nos permite caminhar para um mundo mais evoluído. E pelas razões que acabei de apresentar, a solução deve passar sempre pelo aumento da liberdade, e não pela sua limitação.

 

                                                           Francisco Macieira, Nº11, 11D