domingo, 21 de abril de 2019

Sandel: da crítica comunitarista à conceção liberal de justiça

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Imagem retirada daqui: http://r1.ufrrj.br/contratualismo/

As filosofias de Rawls e Kant assentam na ideia de que a justiça deve ser anterior ao bem. Antes de qualquer ideia sobre o que é a vida boa, deve ter-se a noção clara da ideia de justiça de modo mais imparcial possível. Para tal, tanto Rawls como Kant esboçam a ideia de conceção de justiça desinteressada. O primeiro a partir da hipótese da Posição Original pela aplicação do Véu de Ignorância, uma espécie de epoché de todos os aspetos que à partida poderão entrar em conflito com a escolha justa dos princípios; o segundo surge com a ideia do bem associado à autonomia da vontade e ao inerente desinteresse e neutralidade. Só desta forma poderíamos alcançar uma justiça universal e imparcial. Ambos aceitam a ideia de que «uma pessoa moral é um sujeito com fins que escolheu . É sobre estes pressupostos que irá incidir a crítica de Sandel, levando-o a afirmar que «se nos considerarmos livres e independentes, sem vínculos morais que não escolhemos, não conseguimos compreender uma série de obrigações morais políticas» (Sandel, Justiça. Fazemos o que devemos? pág. 227), como a solidariedade, a memória histórica e a fé religiosa. Será que existe moral sem consentimento? Para os liberais, não. Para Sandel, sim porque o bem antecede a justiça. Não podemos pensar a justiça omitindo as noções de vida boa que subjazem à comunidade ou comunidades que fazem o «eu».

O comunitarismo, perspetiva que Sandel nutre um especial apreço, não deseja substituir as ideias liberais de Rawls, antes pretende constituir-se como uma espécie de apêndice por forma a melhorar o projeto liberal. A crítica de Sandel (op. cit) surge na possibilidade de existência de responsabilidade moral sem que se requeira o consentimento. Além dessa perspetiva contratualista também existem os pontos de vista dos direitos naturais e das obrigações de solidariedade como fatores explicativos da responsabilidade moral sem consentimento (op cit, pág. 234). Os vínculos familiares, fenómenos de resistência durante a 2ª Guerra Mundial e o salvamento de etíopes judeus por parte do estado de Israel são exemplos apresentados em como existe um reconhecimento das obrigações morais mesmo em situações não consentidas. 

A base do argumentário de Sandel pode ser encontrada em Aristóteles e em  Alasdair Macintyre. Enquanto  que o primeiro considera que discutir sobre uma finalidade de uma instituição é discutir as virtudes que honra ou recompensa,  o segundo descreve o ser humano como contador de histórias. Estas narrativas explicam a existência e as opções. Ao colocarmos a pergunta «o que é o bem?» devemos questionar o contexto histórico de que faço parte. 

A ideia de Estado soberano que reclama a nossa absoluta lealdade, ideia própria do contratualismo na medida em que a presença desse estado é consentida, é substituída por uma conceção de múltiplas comunidades que reclamam essa mesma lealdade pela nossa própria pertença. As instituições às quais pertencemos de forma espontânea fazem a nossa própria narrativa pelo que não devemos questionar qualquer conteúdo ético sem situarmos o indivíduo e sem conhecermos a história que o produziu. A liberdade exige, por isso, a própria democracia. A vida política consiste numa permanente negociação entre os interesses gerais do estado soberano e os interesses mais ou menos particulares decorrentes da vida social. São as múltiplas formas existenciais que exigem resolução através da negociação dos deveres, muitas vezes conflituosos entre si («Comunitarismo» in Manual de Filosofia Política, pág 103).