Juntamente com Marx e Freud, Nietzsche pode ser considerado o filósofo da suspeita por colocar em causa todo o edifício tradicional do pensamento ocidental. Tal facto promoveu junto da intelectualidade portuguesa, nomeadamente no início do século vinte, um grande entusiasmo por garantir um fundo de legitimação intelectual para a postura poética e literária. É com o recurso a Nieztsche que melhor se traduz a característica total do fenómeno cultural português
Sem querer menosprezar alguns autores como Vianna da Mota, Manuel Laranjeira ou Mário Saa, é em Almada e Álvaro de Campos que a emergência vitalista mais é promovida. As ideias de exaltação da vida pela vida, optimismo e vitalismo, a arte como nova metafísica, o sobre humano, o amoralismo do para lá do bem e do mal e a morte de Deus fomentaram o ideário modernista e futurista. A via intelectual funcionou como um revigorante da alma portuguesa depois do decadentismo fin du siècle.
Almada Negreiros alimenta esta atitude em textos como Cena do Ódio ou Ultimatum às Gerações Futuras. Na primeira transmite a ideia de que a civilização e o pensar são sintomas da decadência. Além amoralismo implícito no cantar dos vícios e dos instintos, há uma explícita afirmação de Zaratrusta. No segundo texto, surgem outros motivos nietzscheanos como o vitalismo, a apologia da guerra, crítica à democracia, compaginação entre força e inteligência, lexemas próximos do super-homem: «homem completo», «Homem definitivo».
Álvaro de Campos escreve, na revista Portugal Futurista (1917), «Ultimatum», texto de vanguarda estética onde assimila os valores futuristas: «O super-homem será, não o mais forte, mas o mais completo», assim como afirma que «Os estímulos da sensibilidade aumentam em progressão geométrica; a própria sensibilidade apenas em progressão aritmética». A erotização das máquinas que caracteriza a estetização tecnológica e a exaltação do eu estão bem presentes nas «Hup lá, hup lá, hup lá-hô, hup-lá Hé-há! Hé-hô! Ho-o-o-o-o ZZZZZZZZZZZZZZZZZZ» assim como quando diz: «Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ir na vida triunfante como um automóvel último modelo! Poder ao menos penetrar-me fisicamente por tudo isto.»
Nas Odes Marítima e Triunfal é reafirmado este pendor estético, acrescentando ao amoralismo a razão de ser da verdadeira moral. Por isso, afirma que o lado mau da história é a condição para o bem por que «sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sentimento de que tinha consciência.»
António Daniel